Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Obras da Bienal pretendem expressar tra�o essencial de nossa �poca
Sem pretender questionar a import�ncia da 32� Bienal de S�o Paulo como acontecimento cultural, permito-me tecer aqui algumas considera��es que a sua realiza��o me suscita.
Pelo que li a respeito do projeto e de sua realiza��o, a mostra difere radicalmente do que se entende por simples exposi��o de arte, uma vez que, meses antes de sua inaugura��o, foi precedida de viagens, pesquisas e discuss�es sobre os diversos problemas da nossa atualidade caracterizada pelas mudan�as r�pidas –tanto da vida social quanto das rela��es predat�rias do homem em rela��o � natureza.
Por esse motivo, a Bienal que foi franqueada ao p�blico no come�o de setembro seria a express�o de todas aquelas pesquisas, descobertas e discuss�es dos problemas da vida atual, tanto no plano da sociedade como no planet�rio.
Rubem Grillo/Editoria de Arte/Folhapress | ||
Outra originalidade desta exposi��o est� no fato de que as obras nela expostas –n�o sei se todas– foram realizadas no pr�prio espa�o da mostra, transformando-o por assim dizer num amplo ateli�, o lugar onde os artistas costumam realizar suas obras.
A novidade, por�m, n�o est� apenas a�, mas tamb�m no fato de que as obras deixar�o de existir com o encerramento da Bienal. S�o, portanto, deliberadamente ef�meras, feitas para n�o durarem. � como se elas e a Bienal fossem uma obra s�, com a diferen�a de que, dentro de dois anos, a Bienal voltar� a existir e as obras, n�o.
Aproveito para lembrar que, tempos atr�s, ao escrever sobre outra Bienal, referi-me a instala��es nela expostas que deixariam de existir quando a exposi��o se encerrasse.
Pois bem, por isso mesmo, talvez, o tema desta Bienal � Incerteza Viva, denomina��o que pretende expressar, conforme os respons�veis por ela, a caracter�stica essencial de nossa �poca, que seria a imprevisibilidade, ou seja, a impossibilidade de certezas.
Arrisco dizer que essa � uma suposi��o discut�vel, uma vez que a total impossibilidade de certezas tornaria a exist�ncia do ser humano invi�vel. � certo, por�m, como afirma o curador da mostra, que toda obra de arte envolve incertezas.
Se substituirmos a palavra incerteza pela palavra acaso –que � o outro nome da probabilidade–, veremos que, de fato, na vida como na arte, o acaso � um fator inevit�vel.
Mas, na vida como na arte, h� um outro fator, que se chama necessidade, de modo que, tanto num como noutro, o casual s� � a elas incorporado quando se torna necess�rio. Por exemplo, Jos� conhece, por acaso, Maria, mas, se nenhum dos dois necessita do outro, n�o rolar� nada.
Outro exemplo: quando o poeta vai escrever um poema –vamos dizer, sobre o cheiro da tangerina–, n�o sabe como come�ar. Tudo o que tem em mente � a lembran�a daquele espanto ao sentir, dias atr�s, o cheiro da fruta que seu filho descascava. Como come�ar o poema? Ele n�o sabe, j� que o poema ainda n�o existe.
Mas eis que, de repente, surge-lhe um verso inesperado: "Com raras exce��es, os minerais n�o t�m cheiro", e o poema come�a com a ideia surgida naquele primeiro verso. E, assim, palavra por palavra, ele vai se compondo. S� que, agora, j� ganhou um rumo, a partir daquele primeiro verso, surgido casualmente. O controle sobre o inesperado � cada vez maior, isto �, agora s� entrar� no poema o que for necess�rio a sua plena realiza��o. Desse modo, o poeta supera o acaso e o poema ganha a forma agora inevit�vel.
Na pintura ocorre a mesma coisa. O que o pintor tem diante de si � uma tela em branco, em que tudo pode acontecer. Mas, depois que lan�a as primeira pinceladas, o casual vai se tornando necessidade e chega, afinal, o momento em que s� entra ali a pincelada necess�ria, porque a obra agora determina o que a completar�.
E, pronta, surpreende o pr�prio pintor pelo que ela se tornou. Porque ele, ao contr�rio dos artistas da 32� Bienal de de S�o Paulo, n�o pretende fazer arte ef�mera, e, sim, ao contr�rio, quer que sua obra subsista, que as pessoas a admirem, apaixonem-se por ela e fa�am tudo para preserv�-la, mesmo depois que ele, autor, j� n�o exista mais.
E, se o que ele fizer, for arte de verdade, conseguir�.
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