Cronista, cr�tico de arte e poeta.
� hora de recuperarmos a utopia da sociedade fraterna e menos desigual
Rubem Grillo/Editoria de Arte/Folhapress | ||
Admitir que o pensamento marxista continha acertos e erros n�o significa ter aderido ao capitalismo e se tornado de direita. Adotar semelhante atitude � persistir no que havia de pior no marxismo, ou seja, na incapacidade de exercer a autocr�tica.
Depois de quase um s�culo da revolu��o comunista de 1917, da qual resultou o Estado sovi�tico, a humanidade avan�ou econ�mica e tecnicamente, ao mesmo tempo que sofreu guerras sangrentas e massacres, como os campos de concentra��o nazistas e os bombardeios at�micos de Hiroshima e Nagasaki.
Depois de tantos erros, � hora de refletirmos sobre o que aconteceu e recuperarmos a utopia da sociedade fraterna e menos desigual.
O sonho de Karl Marx era criar uma sociedade sem explora��o, regida por normas que visavam impedir a divis�o desigual da riqueza produzida. A concep��o dele sobre essa nova sociedade apoiava-se, no entanto, num entendimento equivocado de como se cria a riqueza social.
Esse entendimento partia de uma constata��o inequ�voca do grau de explora��o a que o capitalismo do s�culo 19 submetia o trabalhador, que n�o gozava dos m�nimos direitos, como a jornada de trabalho estabelecida e a aposentadoria, entre muitos outros. Esse capitalismo selvagem levou Marx a concluir que s� havia um modo de criar uma sociedade justa: excluindo dela o capitalista.
Assim, constituiria-se um Estado prolet�rio, dirigido pelo partido comunista, justo porque dele estava exclu�do o capitalista explorador.
Essa teoria pressupunha que � a classe oper�ria quem produz a riqueza, enquanto o capitalista nada mais faz que explorar o trabalho alheio e enriquecer. O equ�voco de Marx estava em ignorar que, sem o capitalista, ou seja, sem o empreendedor, a produ��o da riqueza � quase invi�vel. � que ela depende tanto do trabalhador quanto do empreendedor, o empres�rio.
Por estar exclusivamente nas m�os do Estado, isto �, do partido comunista, a tarefa de produzir a riqueza foi o erro que levou ao fracasso do regime comunista. Na verdade, em qualquer sociedade, h� milh�es de pessoas que sonham criar sua pr�pria empresa. Substitu�-las por meia d�zia de burocratas do partido � condenar o pa�s ao fracasso econ�mico.
N�o � � toa que, hoje, da R�ssia � China, como nos demais pa�ses outrora comunistas, todos abandonaram a concep��o marxista e voltaram a estimular a expans�o da iniciativa privada. Ou seja, voltaram ao regime capitalista. Isso n�o significa, por�m, que o capitalismo de repente tornou-se bom e justo e que devemos nos contentar com a desigualdade que o caracteriza. Essa desigualdade � inerente ao pr�prio sistema, regido pelo princ�pio do lucro m�ximo.
Pois bem, esse longo caminho, que a humanidade percorreu no �ltimo s�culo, mostrou que o Estado comunista nivela a igualdade por baixo, enquanto no regime capitalista, mesmo com as conquistas alcan�adas pela classe oper�ria e os trabalhadores em geral, a explora��o se agrava e a desigualdade se amplia, de que � exemplo o capitalismo norte-americano.
Isso, por�m, n�o � inevit�vel. Em pa�ses capitalistas como a Su�cia, a Noruega e mesmo a Su��a —para ficar apenas nesses exemplos— a desigualdade foi consideravelmente reduzida. N�o h� porque, logicamente, o mesmo n�o possa ocorrer nos demais pa�ses capitalistas.
� evidente que isso depende de uma s�rie de fatores e condi��es, que n�o se encontram em todos os pa�ses. Tampouco acredito numa sociedade em que a igualdade seja plena —em que todas as pessoas tenham a mesma possibilidade de ganho e acumula��o de bens—, uma vez que os seres humanos n�o s�o iguais, n�o t�m todos a mesma capacidade de cria��o, inventividade e realiza��o.
Por isso mesmo, n�o se pode imaginar que todas elas contribuam na mesma propor��o para o enriquecimento da sociedade.
Tampouco tais diferen�as entre os indiv�duos justifica o n�vel de desigualdade que, com raras exce��es, caracteriza o mundo em que vivemos.
Essas s�o as raz�es que me fazem acreditar que, sem faca nos dentes e dentro do regime democr�tico, podemos alcan�ar uma sociedade menos desigual e menos injusta.
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