Cronista, cr�tico de arte e poeta.
O banal maravilhoso
N�o me lembro se j� falei aqui para voc�s da menininha que vi no elevador do edif�cio onde moro. Ela devia ter alguns meses de nascida mas, quando voltei a v�-la, no mesmo elevador, uns dois anos depois, j� de p� ao lado da m�e, levei um susto: batia o pezinho no ch�o e gritava: "N�o quero ir l�! N�o quero!".
Mal acreditei que se tratava daquela mesma menininha que ainda nem abrira os olhos direito, com chupeta na boca. Agora, n�o s� falava como tinha opini�o —e opini�o contr�ria � de sua m�e.
Sa� dali perplexo. Ent�o, aquele bichinho que, dois anos atr�s, no colo da m�e, nada sabia da vida, agora gritava, batia o p� e opinava!? A verdade � que a garota de agora j� estava naquela, que, ao que tudo indicava, n�o sabia nada de nada, nem sequer pensava ainda. E sabe-se l� o que mais de gente estava ali, naquela pirralha, e s� saberemos mais tarde, quando ela se tornar uma adolescente e, depois, uma mulher.
N�o sei se me fa�o entender, mas o que quero passar a voc�s, leitores, � minha perplexidade diante da vida. Ent�o, o que chamamos de gente nascida de um �vulo e um espermatozoide j� traz em si tudo isso que definimos como ser humano? Ali, naquele embri�o, j� est� potencialmente a capacidade de pensar, de falar, de inventar coisas como computadores, sinfonias e poemas?
Ser� que me fa�o entender? Veja bem: se o embri�o n�o for de gente, mas de gato, as qualidades que trar� consigo ser�o outras, pois um gato jamais ser� capaz de inventar m�quinas nem poemas, e jamais articular� uma frase com sujeito, verbo, objeto.
Apenas miar�, mas, ao mesmo tempo, j� nasce com a capacidade de se afei�oar �s pessoas, pedir e fazer carinhos, al�m de perceber quem gosta e quem n�o gosta de gatos.
N�o me consta, por exemplo, que cobra tenha essa capacidade, mas n�o duvido de que certamente ter� outras pr�prias aos of�dios.
J� o cachorro, ao contr�rio, at� supera o gato nessa capacidade de se relacionar afetivamente com as pessoas, sem falar que ele atende pelo nome que lhe pomos, coisa de que o gato n�o � capaz. O c�o, como se sabe, chega ao ponto de identificar quem amea�a atacar seu dono e, mais ainda, ataca-o, chegando mesmo a arriscar a pr�pria vida por aquele a quem se afei�oou.
E ent�o pergunto: quem ensinou isso ao c�o? Ningu�m, claro, tais qualidades nasceram com ele. Tudo bem, nasceram, mas o que quer dizer isso? Quer dizer que nas c�lulas do c�o j� est�o todas essas caracter�sticas que o distinguem do rato, do gato, do macaco...
Eu, de macaco entendo um pouco, pois, quando menino, tive v�rios macaquinhos em minha casa e passeava na rua com um deles no ombro. Macaco � afetuoso, sabe quem � seu amigo, mas n�o arrisca a vida por ele, como faz o c�o. Seu interesse principal � a banana que voc� lhe oferece e ele pega, descasca e come. Sim, com aquelas m�ozinhas, que tem dedo m�nimo e polegar.
Mas por que estou dizendo essas coisas, que todo mundo sabe? � por que as pessoas sabem de tudo isso mas n�o se espantam, pois acham muito natural. S� que eu n�o acho.
Na verdade, acho tudo isso um grande e espantoso mist�rio. Enfim, acho tudo inexplic�vel. Devo esclarecer, por�m, que tal mist�rio, por espantoso que seja, n�o me leva ao desespero. Tem gente que, por n�o conseguir entender a exist�ncia, entra na fossa ou at� mesmo enlouquece. Eu n�o, em vez de enlouquecer, me maravilho.
� verdade que a falta de explica��o —quem sou? Que fa�o aqui? Para onde vou?— me leva com frequ�ncia � perplexidade, coisa que, suponho, n�o acontece com minha gatinha, que est� sempre numa boa.
Em compensa��o, n�o � ela capaz de se encantar vendo "A Noite Estrelada", de Van Gogh, nem ouvindo as bachianas de Villa-Lobos, como pode o bicho humano.
Nota: Soube que Augusto, o Furioso, publicou outro artigo me agredindo. N�o o li nem o lerei, pois j� dei por encerrado esse bate-boca. Quem o leu diz que o cara pirou de vez, expondo-se mesmo como defensor do petismo corrupto. Se de fato esse � o caso, aconselho-o a buscar urgentemente um psiquiatra.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade