Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Cego em tiroteio
Tenho assistido pela televis�o ao processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado Federal. Confesso que me falta paci�ncia para ouvir tanto falat�rio, leitura da pe�a de acusa��o e, pior ainda, a interven��o de certas figuras que ostentam a condi��o de senadores da Rep�blica, para nosso constrangimento.
Mal conseguem formular o que pensam e, quando o conseguem, � num portugu�s digno de um mau aluno do curso prim�rio. Mas isso � o de menos, porque falar errado tanto � comum a eles como aos apresentadores do programa, com raras exce��es.
N�o quero aborrecer voc�s com minhas gramatiquices, mas � duro ouvir o cara dizer "eram v�rias milh�es de pessoas".
E j� observaram que quase todos os verbos agora t�m como reg�ncia o adv�rbio "sobre"? Em vez de "comentou o problema", dizem "comentou sobre o problema"; em vez de "tratou do assunto", dizem "tratou sobre o assunto". As palavras "este" e "esta" n�o se usam mais: agora � "esse" e "essa". Outra palavra exclu�da da fala desse pessoal � "quando", substitu�da sempre por "onde". N�o dizem "naquela ocasi�o, quando a encontrei", e sim "onde a encontrei". Mas n�o s�o s� eles que falam assim; raz�o pela qual temo que, em breve, talvez o certo ser� falar errado.
Mas deixemos isso para l�, uma vez que o pa�s inteiro est� mesmo interessado � na quest�o pol�tica, do impeachment de Dilma �s propinas da Lava Jato, que deram aos jornais de televis�o maior audi�ncia que as novelas.
Como todo mundo sabe, o PT chegou ao poder para n�o sair mais. Jos� Dirceu mesmo, com poucos meses de governo, numa viagem a Portugal, declarou, ao chegar l�: "Ganhamos a elei��o, e vamos ficar no poder por, pelo menos, 20 anos".
Claro, "no m�nimo", porque, como Hugo Ch�vez e Evo Morales, o projeto tamb�m de Lula era de fato n�o sair mais. Para isso, valeram-se de tudo. Evo Morales, por exemplo, que j� governa por tr�s mandatos, mudou o nome do pa�s de Rep�blica da Bol�via para Estado Plurinacional Boliviano, e argumentou: "Como o pa�s agora � outro, tenho o direito a mais mandatos". E ressalvou: "Mas n�o pensem que quero me eternizar no poder". Claro que n�o! Para comprov�-lo, depois de dez anos no governo, prop�s recentemente nova reelei��o, mas a� o povo boliviano achou que j� era demais e disse n�o.
Lula, por sua vez, bem que tentou o terceiro mandato, mas, como isto aqui n�o � exatamente uma Bol�via, teve que p�r Dilma em seu lugar. O plano dele era voltar ao poder nas elei��es seguintes, mas, quando viu o estrago que ela havia feito no pa�s, desistiu e deixou-a candidatar-se de novo, porque bobo ele n�o �. Quem pariu Mateus que o embale.
Pois bem, a coisa deu no que deu, e ela acabou afastada. Est� fora do governo e, ao que tudo indica, para sempre. N�o foi � toa que o pr�prio Lula procurou o Sarney para, chorando, confessar-lhe que o maior arrependimento que tem na vida � ter elegido Dilma presidente da Rep�blica. Mas iria eleger quem? L�der populista n�o deixa crescer ningu�m em volta dele, tanto assim que, no lugar de Ch�vez, quem entrou foi o gaiato e imaturo Maduro.
Mas voltemos � discuss�o do impeachment de Dilma no Senado brasileiro. Atenho-me � sess�o em que as testemunhas de acusa��o foram chamadas a depor. Os petistas, em face dos depoimentos irrespond�veis, tudo faziam para atropelar-lhe as respostas, levantando quest�es descabidas e aludindo a dispositivos legais que nada tinham a ver com as acusa��es que fundamentaram o pedido de impeachment.
Isso sem falar nas ocasi�es em que n�o s� perguntavam, como queriam responder no lugar da testemunha, como fez a senadora Gleisi Hoffmann. Lindbergh Farias usa de outra t�tica: inventa leis e decis�es inexistentes para desautorizar as teses do depoente. Quando percebem que seus truques n�o est�o surtindo efeito, passam a gritar ou se retiram da sala.
Por�m o mais extravagante em tudo isso � que os petistas, embora j� n�o queiram mais que Dilma volte ao governo, se veem obrigados a lutar para que volte. E da� a impress�o que temos de estarem mais perdidos do que cego em tiroteio.
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