Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Rua Prado J�nior, 16
Moro em Copacabana, na rua Duvivier. Para quem vem de Botafogo pelo T�nel Novo, duas ruas antes � a Prado J�nior. Embora eu more ali perto, raramente caminho at� l�, como fazia antigamente.
Melhor dizendo, muito antigamente, j� que se passaram mais de 60 anos do tempo em que com frequ�ncia andava por ali. Vinha do Catete, onde morava numa vaga da pens�o de Dona Hort�ncia, na rua Buarque de Macedo.
Ainda n�o havia o Aterro do Flamengo, embora j� houvesse o T�nel Novo. Saindo do t�nel, os �nibus tomavam, em seguida, a rua Barata Ribeiro, entrada de Copacabana, onde eu descia e seguia pela Prado J�nior. E sabem por qu�? Porque nela morava, num pr�dio de esquina com a avenida Atl�ntica, minha amiga Lygia Clark.
Isso foi no come�o da d�cada de 1950, quando se iniciou no Brasil o movimento da arte concreta. O foco, por�m, daquela nova tend�ncia est�tica era o apartamento de M�rio Pedrosa, que ficava na rua Visconde Piraj�, em Ipanema. L� conheci Lygia Clark, Franz Weissmann, Amilcar de Castro, Alu�sio Carv�o, Lygia Pape e H�lio Oiticica, ent�o um garoto, que iniciaram o movimento concretista.
Mas era no apartamento de Lygia Clark –onde ela morava com seus tr�s filhos– que tamb�m nos reun�amos para ver seus trabalhos e trocarmos ideias.
Foi l� que, de certo modo, nasceu a arte neoconcreta, em come�os de 1959. De fato, o movimento concretista, al�m do grupo do Rio, tinha tamb�m seus adeptos paulistas, liderados por Waldemar Cordeiro. A esse grupo de pintores se juntariam os tr�s poetas paulistas que comigo, no Rio, inventaram a poesia concreta.
Sucede que, no grupo paulista, tanto Cordeiro quanto os poetas eram mais te�ricos que os concretistas cariocas, voltados prioritariamente para a intui��o e a inventividade.
Essa diferen�a provocou a ruptura entre os dois grupos, especialmente entre os poetas. Tal diverg�ncia j� era sintoma da evolu��o particular do grupo carioca, que se tornava cada vez mais distante da heran�a europeia, maxbiliana.
Foi ent�o que, certa noite, durante um jantar em seu apartamento, Lygia sugeriu que o grupo do Rio fizesse uma exposi��o de seus �ltimos trabalhos, reunindo tanto os artistas pl�sticos como os poetas. E eu escreveria a apresenta��o da mostra.
A ideia foi aceita, e ent�o tive que ver as obras de cada um para escrever o texto de apresenta��o.
Depois de v�-las, pedi uma nova reuni�o do grupo e, l�, no apartamento da Lygia, afirmei que, na verdade, o que est�vamos fazendo j� n�o era a arte concreta, era outra coisa. Por isso, propus que, em vez de escrever uma apresenta��o, escreveria um manifesto, definindo o que invent�vamos como arte neoconcreta.
O grupo concordou, e assim teve in�cio o movimento, cujo lan�amento se deu em mar�o de 1959, no Museu de Arte Moderna do Rio, com a exposi��o de nossos trabalhos e o manifesto que ent�o redigi. M�rio Pedrosa, que estava de viagem ao Jap�o, quando voltou, deparou-se com essa novidade: a arte concreta, que ele introduzira no Brasil, virara outra coisa.
Nessa �poca, Lygia passou a namorar Jean Boghici, que se tornaria mais tarde marchand de tableaux. Com maior const�ncia, passei a frequentar a casa de Lygia que, al�m do mais, era uma pessoa afetuosa e engra�ada.
Lembro-me de um dia em que um de seus filhos, ouvindo nossa conversa, perguntou: "Mam�e, o que � 'psicanagem'?". E ela respondeu: "Meu filho, � a mesma coisa que sacanagem". Sim, mas ela pr�pria se tratava com um psicanalista.
Pois bem, se escrevo agora essas coisas � porque nesta semana sa� caminhando pela avenida Atl�ntica e, quando dei por mim, estava na esquina da rua Prado J�nior, em frente ao edif�cio n�mero 16, em que Lygia morara. Ergui a vista e me fixei no oitavo andar, onde ficava o apartamento dela.
Uma estranha sensa��o tomou conta de mim ao pensar que agora, naquele apartamento, moram outras pessoas, que possivelmente nada sabem dessas coisas de que falo aqui.
Nem Lygia, nem M�rio, nem Weissmann, nem Amilcar, nem Oiticica existem mais. E, naquelas salas e quartos, onde outrora convers�vamos e r�amos, n�o resta qualquer tra�o de n�s nem daquele tempo.
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