Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Chega de ratos
Hoje, em vez de falar de ratos, vou falar de gatos. Pois bem, mod�stia � parte, tenho duas gatas: a gata chamada Cl�udia Ahimsa, musa minha e poeta autora de preciosos livros de poemas. Ela diz que n�o faz poemas e, sim, livros de poesia, o que � verdade. Por isso mesmo, n�o faz apenas o objeto livro, onde eles s�o editados; a capa do livro, o tema dos poemas e sua distribui��o nas p�ginas, o formato do livro, tudo � por ela inventado. Por essa raz�o, n�o mora comigo, mesmo porque dois poetas n�o cabem numa mesma casa.
J� a outra gata, a que mora comigo e se chama Gatinha, � siamesa como o finado Gatinho, que me inspirou um livro de poemas engra�ados, lindamente ilustrado por �ngela Lago. Essa gatinha n�o apenas mora comigo como dorme na minha cama. Se disser que nossa intimidade se limita a isso, estarei mentindo, pois vai muito al�m, uma vez que ela, todos os dias, vem para a sala onde trabalho e sobe na mesa para que eu a acarinhe.
Sobe na mesa e, como quem n�o quer nada, deita-se � minha frente para que eu lhe fa�a carinhos. Se n�o estou ali escrevendo ou lendo, vai � minha procura e, encontrando-me, come�a a ro�ar-se em minhas pernas, que � o seu modo de dizer-me que est� na hora de lhe fazer carinhos.
Entendo, largo o que esteja fazendo e vou sentar-me � mesa da sala, onde ela imediatamente sobe e se estende, de barriga � mostra. Ela j� se habituou ao carinho que lhe fa�o, passando a m�o em sua barriguinha de pluma.
Quando meu gatinho morreu, fiquei traumatizado e decidi n�o mais ter gatos em casa. Na verdade, um outro gato, fosse qual fosse, jamais o substituiria e, al�m do mais, me faria lembrar dele a toda hora.
Mas eis que um dia, sem saber desse meu trauma, surge aqui em casa Adriana Calcanhotto e, logo depois de entrar, abre a capa com que se cobria e me entrega sorrindo, de presente, uma gatinha siamesa. Levei um susto, mas era tal a alegria da Adriana por me trazer aquele presente que n�o tive coragem de lhe dizer que decidira n�o mais criar gatos.
N�o foi, por�m, s� isso. Quando a gatinha me mirou nos olhos e miou, rendi-me instantaneamente e abracei Adriana, sinceramente agradecido. E mais agradecido estou agora, depois de alguns poucos anos de conv�vio com a companheirinha que ela me trouxe de presente.
Esta gatinha tem, por�m, um comportamento peculiar: tocou a campainha da porta, esteja ela dormindo na poltrona ou brincando em cima da mesa, larga tudo e sai disparada para se esconder em algum dos quartos da casa. E se, n�o estando ela na sala, chegar algu�m ali, ela, esteja onde estiver, l� ficar�, certamente mais escondida que antes. E se esconde tal modo que, eu mesmo, se tentar localiz�-la, n�o o conseguirei.
Se depois, tendo ido embora o intruso, dado um tempo, claro, ela reaparecer� mesmo assim desconfiada, farejando o ar para evitar qualquer surpresa. Basta dizer que a pr�pria Adriana, quando aqui esteve e tentou rev�-la, n�o o conseguiu.
Por que ela se espanta desse jeito, n�o sei. O Gatinho, ao contr�rio dela, era tranquilo; se chegava alguma visita, pouco ligava; quando muito, erguia a cabe�a, dava uma olhada e voltava a cochilar.
Isso sem falar nos gatos de rua, que andam entre as pernas dos transeuntes, sem nada temer, nem mesmo cachorro.
Desconfio que o comportamento de minha gatinha se deve � sua origem social: ela � fruto do pet shop, ou seja, pertence a uma nova gera��o de bichos que o mundo moderno est� produzindo.
Criada em pet shop, numa pequena gaiola, sem contato com outros animais, o bicho adquire personalidade neur�tica, que o torna incapaz de conviver com os outros bichos. Mas, como � pr�prio dos gatos o conv�vio com as pessoas, a minha gatinha felizmente me aceitou como uma companhia confi�vel e, mais que isso, afetuosa.
Quanto � minha outra gata, a Cl�udia, n�o diria que seja t�o arredia quanto a gatita, mas n�o � para qualquer um que ela aparece quando lhe tocam a campainha da porta ou tentam contat�-la pelo telefone. Tamb�m, neste caso, eu constituo uma exce��o. Mas nem sempre, diga-se a verdade.
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