Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Ler e falar
O fato de que, nas provas do Enem, � cada vez menor as refer�ncias � literatura brasileira –o mesmo ocorrendo nos exames de vestibulares– causou preocupa��o nos membros da Academia Brasileira de Letras que, em face disso, decidiu manifestar-se sobre o assunto.
Essa quest�o foi trazida � ABL, no final do ano passado, por Arnaldo Niskier, que havia representado a institui��o numa reuni�o promovida na Comiss�o de Educa��o da C�mara Federal pela deputada Maria do Ros�rio, do PT do Rio Grande do Sul. Ela realizou uma audi�ncia p�blica para debater a situa��o da leitura e do ensino da literatura particularmente no ensino m�dio. A constata��o lament�vel � que, se n�o se estimula a leitura da literatura e seu ensino, n�o h� raz�o para que a mat�ria fa�a parte dos exames e das provas.
A iniciativa da deputada em trazer � discuss�o esse fato merece o apoio da intelectualidade e dos cidad�os conscientes da import�ncia da literatura para a vida nacional. N�o obstante, nem todos t�m essa compreens�o e h� mesmo, em certos setores, a tend�ncia a ver o ensino da literatura como um resto do elitismo que deve ser eliminado da forma��o dos jovens.
Se minha observa��o for procedente, a aus�ncia da literatura na forma��o da nossa juventude seria parte de um fen�meno mais amplo, que afeta outros setores da sociedade brasileira e que tem ra�zes mais profundas do que parece � primeira vista. Para nos atermos ao �mbito liter�rio e do ensino, lembro da tend�ncia entre fil�logos e gram�ticos de considerar que n�o h� erros no uso da l�ngua, mas apenas modos diversos de us�-la conforme a classe social de quem a usa. Ou seja, h� a l�ngua culta, falada pelos que t�m cultura, e a l�ngua do povo inculto, que n�o tem acesso � educa��o.
A constata��o, at� certo ponto, � correta, mas deduzir dela a conclus�o de que tanto faz dizer "n�s vamos" quanto "n�s vai" � um equ�voco que contraria a natureza da linguagem. Falar corretamente n�o � uma manifesta��o elitista e, sim, o resultado da necessidade humana de se expressar com coer�ncia e clareza. N�o sou linguista nem muito menos sei (algu�m sabe?) como se formaram os idiomas, mas tenho certeza de que n�o se trata da inven��o de um sujeito erudito e presun�oso que decidiu inventar as concord�ncias entre sujeito e verbo, adjetivo e substantivo. Na verdade, fico fascinado ao constatar, j� nas primeiras manifesta��es liter�rias, a concord�ncia e a coer�ncia entre os elementos da linguagem.
Como tampouco creio que os idiomas foram criados por Deus, contento-me em admitir que eles expressam, tanto quanto poss�vel, a l�gica que descobrimos no mundo e que nos ajuda a reinvent�-lo. Pode ser at� que a l�gica da linguagem n�o seja a mesma do mundo –cuja complexidade excede � nossa compreens�o–, mas, como nos ensina o exemplo da Torre de Babel, um idioma sem normas torna invi�vel o entendimento e, consequentemente, o conv�vio humano.
Claro que, por felicidade, estamos longe disso. O que importa aqui � afirmar que falar e escrever corretamente n�o s�o esnobismos, mas necessidades da linguagem humana.
Certamente, h� que distinguir a linguagem falada da escrita. A fala coloquial, pelas circunst�ncias em que se exerce, com frequ�ncia viola a corre��o da linguagem escrita. Tampouco ter�amos que exigir, mesmo desta, um rigor sem concess�es. Errar � humano e, mod�stia � parte, citando a mim mesmo, cabe lembrar que "a crase n�o foi feita para humilhar ningu�m".
Em suma, ningu�m deve ser punido por errar na concord�ncia vocabular. Tampouco � correto subestimar o homem do povo que desconhece as regras gramaticais e, por isso mesmo, fala errado.
O que, por�m, n�o se pode aceitar � que linguistas e gram�ticos afirmem que n�o se deve exigir que se fale e escreva corretamente, quando eles mesmos falam e escrevem conforme as regras gramaticais.
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