Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Considera��es sobre a loucura
Ou�o frequentemente pessoas opinarem sobre tratamento psiqui�trico sem na verdade conhecerem o problema. � bacana ser contra interna��o. Por isso mesmo tra�am um retrato equivocado de como os pacientes eram tratados no passado em manic�mios infernais por m�dicos que s� pensavam em tortur�-los com choques el�tricos, camisas de for�a e met�-los em solit�rias.
Por isso mesmo exaltam o movimento antimanicomial, que se op�e � interna��o dos doentes mentais. Segundo eles, os pacientes s�o metidos em hospitais psiqui�tricos porque a fam�lia quer se ver livre deles. S� pode fazer tal afirma��o quem nunca teve que conviver com um doente mental e, por isso, ignora o tormento que tal situa��o pode implicar.
Nada mais doloroso para uma m�e ou um pai do que ter de admitir que seu filho � esquizofr�nico e ser, por isso, obrigado a intern�-lo. H� certamente pais que se negam a faz�-lo, mas ao custo de ser por ele agredido ou v�-lo por fim � pr�pria vida, jogando-se da janela do apartamento.
Como aquelas pessoas n�o enfrentam tais situa��es, inventam que os hospitais psiqui�tricos, ainda hoje, s�o locais de tortura. Ignoram que as cl�nicas atuais, em sua maioria, gra�as aos rem�dios neurol�ticos, nada t�m dos manic�mios do passado.
Recentemente, num desses programas de televis�o, ouvi pessoas afirmarem que o verdadeiro tratamento psiqui�trico foi inventado pela m�dica Nise da Silveira, que curava os doentes com atividades art�sticas. Trata-se de um equ�voco. A terapia ocupacional, art�stica ou n�o, jamais curou algum doente.
Trata-se, gra�as a Nise, de uma ocupa��o que lhe d� prazer e, por mant�-lo ocupado, alivia-lhe as tens�es ps�quicas. Quando o doente �, apesar de louco, um artista talentoso, como Emygdio de Barros ou Arthur Bispo do Ros�rio, realiza-se artisticamente e encontra assim um modo de ser feliz.
Gra�as � atividade dos internados no Centro Psiqui�trico Nacional, do Engenho de Dentro, no Estado do Rio, criou-se o Museu de Imagens do Inconsciente, que muito contribuiu para o reconhecimento do valor est�tico dos artistas doentes mentais. Mas � bom entender que n�o � a loucura que torna algu�m artista; de fato, ele � art�stico apesar de louco.
Tanto isso � verdade que, das dezenas de pacientes que trabalharam no ateli� do Centro Psiqui�trico, apenas quatro ou cinco criaram obras de arte. Deve-se reconhecer, tamb�m, que conforme a personalidade de cada um seu estado mental comp�e a express�o est�tica que produz.
No tal programa de TV, algu�m afirmou que, gra�as a Nise da Silveira, o tratamento psiqui�trico tornou-se o que � hoje. N�o � verdade, isso se deve � inven��o dos rem�dios neurol�pticos que possibilitam o controle do surto ps�quico.
� tamb�m gra�as a essa medica��o que as interna��es se tornaram menos frequentes e, quando necess�rias, duram pouco tempo -o tempo necess�rio ao controle do surto por medica��o mais forte. Superada a crise, o paciente volta para casa e continua tomando as doses necess�rias � manuten��o da estabilidade mental.
N�o pretendo com eses argumentos diminuir a extraordin�ria contribui��o dada pela m�dica Nise da Silveira ao tratamento dos doentes mentais no Brasil. Fui amigo dela e acompanhei de perto, juntamente com M�rio Pedrosa, o seu trabalho no Centro Psiqui�trico Nacional.
Uma das qualidades dela era o seu afeto pelas pessoas e particularmente pelo doente mental. Eis um exemplo: como o Natal se aproximava, ela perguntou aos pacientes o que queriam de presente. Emygdio respondeu: um guarda-chuva.
Como dentro do hospital naturalmente n�o chovia, ela concluiu que ele queria ir embora para casa. E era. Ela providenciou para que levasse consigo tinta e tela, afim de que n�o parasse de pintar.
Ele se foi, mas, passado algum tempo, algu�m toca a campainha do gabinete da m�dica. Ela abre a porta, era o Emygdio, de palet�, gravata e maleta na m�o. "Voltei para continuar pintando, porque l� em casa n�o dava p�." E ficou pintando ali at� completar 80 anos, quando, por lei, teve que deixar o hospital e ir para um abrigo de idosos, onde morreu anos depois.
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