Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Errando e aprendendo
N�o sei se foi de dona Zizi, minha m�e, ou de Newton Ferreira, meu pai, que herdei esta tend�ncia a n�o me submeter a verdades indiscut�veis.
Talvez tenha sido dela, pouco afeita a euforias e conversa fiada. Mas, para ser justo, devo reconhecer, lembrando certas hist�rias que me contava, que ele tampouco se deixava iludir pelo papo beleza dos espertos. Isso eu aprendi com ele, mas n�o herdei o talento de jogador de futebol, pois, j� logo cedo, me revelei um perna de pau, enquanto ele chegou a centroavante da sele��o maranhense.
O papo que me ganhou mesmo foi o dos poetas que, se n�o falam propriamente a verdade, tampouco t�m a inten��o de tomar teu dinheiro. O que pretendem � que voc� embarque com eles no "barato" que costumam inventar. N�o s� embarquei na conversa deles como passei, eu mesmo, a usar dessa mesma conversa.
A religi�o n�o tinha muita presen�a em nossa casa. Meu pai e minha m�e, embora cat�licos, n�o frequentavam igreja. �s vezes, via-a rezando; ele, nunca. Desse modo, a explica��o que eu tinha para a exist�ncia do mundo n�o era a de que Deus o criara, nem mesmo de que tivesse sido criado por algu�m. De fato, n�o me preocupava com isso.
Essa quest�o s� se colocou para mim quando me matricularam no Col�gio S�o Luiz de Gonzaga, da professora Zuleide Bog�ia, cat�lica praticante. Em seu col�gio, todos os dias, antes das aulas, �s sete da manh�, as turmas de alunos se reuniam na sala principal para rezar um ter�o. A reza terminava com todos cantando uma ora��o –ela, os alunos, as professoras e os funcion�rios, sem exce��o.
Posso dizer que me tornei adulto sem acreditar em nada, sen�o nas leis da natureza e nas no��es de propriedade e direitos que regiam a sociedade. Difusamente, opunha-me �s desigualdades sociais, que me pareciam injustas, mas n�o me dispunha a lutar contra elas.
Isso s� mudou muito tempo depois, em 1961, quando li o livro de um padre franc�s, Jean-Yves Calvez, sobre o pensamento de Karl Marx. Na primeira parte do livro ele exp�e o pensamento de Marx e, na segunda, mostra que padre n�o pode ser marxista. Como n�o era padre, s� li a primeira parte e virei marxista.
Pouco depois, passei a militar no Centro Popular de Cultura da UNE, que atuava no meio universit�rio, pregando a revolu��o comunista. Em 1� de abril de 1964, um golpe militar derrubou o governo do presidente Jo�o Goulart e imp�s ao pa�s um regime autorit�rio. Desfeito o CPC da UNE e a pr�pria UNE, os integrantes criaram o Grupo Opini�o que, atrav�s da atividade teatral, integrou-se na luta contra o regime militar.
N�s �ramos todos comunistas, embora n�o o proclam�ssemos abertamente, uma vez que o governo militar que assumiu o poder no Brasil era declaradamente anticomunista. A op��o pela luta armada, por parte de uma fac��o dos advers�rios do regime, ofereceu aos militares o pretexto para introduzir na repress�o aos advers�rios, a tortura e at� mesmo a elimina��o f�sica de militantes.
Os anos se passaram. A ditadura ruiu e o regime democr�tico retomou seu lugar no processo pol�tico brasileiro. Hoje, d�cadas depois, relembro momentos daquele per�odo, quando a luta pelo fim do regime militar era o objetivo principal de nossa atividade pol�tica e cultural, e reflito sobre o que aconteceu.
Lembro de nossas reuni�es no pequeno teatro que inventamos no shopping center da rua Siqueira Campos, usando velhas cadeiras de um cinema que fechara. Vianinha, Armando, Thereza, Jo�o das Neves, Paulo Pontes, Denoy, Pinch�n, todos n�s entregues a uma tarefa que tanto tinha de generosidade quanto de risco, mas que era o sentido maior de nossa vida.
A certa altura, uma parte dos militantes antiditadura optou pela luta armada. Fomos contra, pois acredit�vamos que era mudando a vis�o das pessoas que se consegue mudar a sociedade. N�o pens�vamos em dinheiro nem em tirar qualquer proveito de nossa luta pela instaura��o de um regime econ�mico sem desigualdade e explora��o.
Apenas um sonho, que n�o se realizou, mas nossa generosidade era verdadeira, e ela s� existe onde h� utopia, a luta por um mundo melhor. � que, sem utopia, a vida n�o basta.
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