Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Buscar o perdido
Pior do que perder uma coisa � lembrar que a perdeu e tentar ach�-la. Melhor mesmo � esquecer o perdido, mas a gente n�o manda nisso, j� que, de repente, voc� se lembra: e que aquele livro que o M�rio me deu, onde o meti?
� prefer�vel tentar n�o responder a essa pergunta, e muito menos ir procurar o livro. Mesmo porque, se for procur�-lo, n�o o achar�. "Eu jurava que estava nessa prateleira da estante e n�o est�". Diga-se isso ou frase parecida, ligue a televis�o para ver seja o que for e esque�a o livro.
Pois bem, outro dia dei pela falta do �nico exemplar da primeira edi��o de meu livro "A Luta Corporal". Um amigo o encontrara num sebo e, supondo que eu n�o tivesse nenhum exemplar, comprou-o e me deu de presente. J� faz alguns anos. E n�o � que o livro sumiu?!
Procurei na tal prateleira onde devia estar, junto a outros livros meus e, para minha surpresa, ali n�o estava. N�o entendi nada, mas busquei-o em outra estante, depois noutra, e nada. Sumira mesmo.
Nessa procura, deparei com uma pasta onde guardo textos antigos que mantive in�ditos, exceto um deles, e descobri que ali n�o est� um conto chamado "Os�ris Come Flores".
Liguei para Cl�udia, achando que o tinha inclu�do na exposi��o comemorativa de meus 70 anos, que ela ajudara a bolar. Respondeu que eu realmente lhe mostrara aquele texto, mas que n�o fora inclu�do na tal exposi��o. E acrescentou: "Estava numa pasta de pl�stico". Pois �, estava, mas j� n�o est�.
Fiquei um tempo tentando esquecer o texto perdido, mas, outro dia, n�o resisti: "Tenho que achar esse texto, custe o que custar!" disse a mim mesmo, e fui para o arm�rio onde guardo as pastas com o que escrevi e o que escreveram sobre mim, al�m de revistas e recortes de jornal. S�o oito prateleiras atochadas de pastas, envelopes e embrulhos.
A esta altura, o leitor deve ter percebido que procurar n�o � minha voca��o. Ainda assim, sentei-me diante do arm�rio e comecei pacientemente a examinar pasta por pasta, envelope por envelope, embrulho por embrulho.
A certa altura, me cansei, fui at� a cozinha esquentar um caf�, tomei o caf� e me sentei na sala para respirar. Algum tempo depois, voltei � �rdua tarefa: encontrei alguns poemas in�ditos, de que nem me lembrava mais, e alguns textos sobre arte que nunca publicara.
Foi ent�o que, para azar meu, lembrei-me de uma s�rie de contos que escrevera na �poca de "A Luta Corporal" e que eram bastante loucos. Dei-me conta, ent�o, de que tamb�m haviam desaparecido. Terminei a busca extenuado e estressado com mais aquelas perdas constatadas. Foi a� que, para meu consolo, liguei para o amigo Augusto S�rgio, que tem o louv�vel h�bito de recolher e guardar escritos meus.
Telefonei-lhe apenas para me queixar. Ele ouviu minha hist�ria e perguntou se "Os�ris Come Flores" era in�dito. Foi ent�o que me lembrei de ele ter sido publicado num jornal alternativo, editado por Wlademir Dias Pino e de que saiu apenas um n�mero.
Contei-lhe que tinha sido gra�as a esse conto que fui contratado para trabalhar na revista "O Cruzeiro", e que Herberto Salles, que dirigia o setor de revis�o de textos da revista, lera o conto e gostara tanto que decidiu me contratar.
E qual era o nome do tal jornal alternativo?, perguntou-me Augusto, e eu n�o lembrava. Pois �, se soubesse o nome do jornal, seria poss�vel tentar achar um exemplar e, assim, recuperar meu conto perdido. Bastaria uma c�pia xerox.
Augusto concordou e se disp�s a procurar o jornal. Disse isso, mas n�o me lembro nem sequer do assunto tratado no conto.
Terminada a conversa, voltei � minha obsess�o. E se o Wlademir n�o tiver nem um exemplar do jornal? E se ningu�m o tiver guardado? Diante de tais possibilidades pessimistas, fui arrastado � minha obsess�o, pois n�o me conformava em ter perdido n�o s� o conto "Os�ris", como tamb�m os outros textos escritos na mesma �poca. Voltei ao arm�rio disposto a realizar uma nova procura, mais minuciosa e paciente.
E a fiz, mas em v�o. Quando me faltava examinar as cinco �ltimas pastas, deparei-me com uma delas, de pl�stico manchado. Meu cora��o bateu forte: ela continha todos os textos perdidos. Inclusive o original de "Os�ris Come Flores".
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