Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Sonho no papel
Quando digo que, na minha opini�o, cada um deve fazer o que lhe parece certo, estou sendo sincero. Mas acho, tamb�m, que os demais n�o est�o obrigados a gostar daquilo que algu�m fa�a, e muito menos aplaudi-lo.
Digo isto porque, com frequ�ncia, opino aqui sobre certos tipos de manifesta��es art�sticas que n�o me agradam. N�o obstante, se tivesse poder para proibi-las, n�o o faria, muito embora tenha dificuldade de entender por que algu�m, dotado de talento art�stico, abre m�o dele para realizar coisas que n�o ganham a admira��o das pessoas e que, com frequ�ncia, as chocam ou as fazem rir.
Mas tudo bem. Como disse, se algu�m prefere chocar a fascinar, � um direito que lhe assiste. Eu n�o sairia de casa para ir ver casais nus num museu ou urubus engaiolados numa Bienal, mas sairia, sem d�vida alguma, para ver os desenhos de Wilma Martins.
Ali�s, n�o preciso sair, porque ela acaba de editar dois livros, reunindo sele��es de seus desenhos: um deles se chama "Caderno de Viagem" e o outro, "Cotidiano".
N�o resta d�vida de que desenho n�o est� na moda, como tampouco a pintura, muito embora –conforme dizem os que atuam no mercado de arte– a pintura continue a ser o g�nero mais vendido. O desenho talvez n�o, e menos ainda a gravura, segundo ouvi dizer.
Isso, por�m, � relativo, porque conhe�o gente que faz pintura de excelente qualidade e n�o vende quase nada. � que o mercado funciona na base da fama e do prest�gio. Se h� quem compre porque se encanta pelas obras que v�, h� quem as compre como investimento, pensando em revend�-las no futuro por pre�os muito mais altos do que o que pagou.
De qualquer forma, casal nu � que ningu�m compra, mas torna famosa a autora da piada que, ent�o, vende outras coisas. A artista brasileira mais cara, no mercado nacional e internacional, � uma pintora: Beatriz Milhazes, que s� pinta.
Apesar disso, como os pintores, os desenhistas e gravadores n�o gozam do mesmo prest�gio de que desfrutavam algumas d�cadas atr�s.
Quem n�o se lembra da admira��o e aprecia��o cr�tica altamente positiva que consagraram as obras gravadas de um Oswaldo Goeldi (1895-1961), de um L�vio Abramo (1903-1993), Marcelo Grassmann (1925-2013), Anna Letycia Quadros, Darel Valen�a, para s� falar desses?
Tinham suas obras amplamente divulgadas em exposi��es e revistas de arte.
Esse tempo passou, mas n�o a import�ncia est�tica e o prazer que possibilitam a gravura e o desenho, em suas distintas manifesta��es. Penso essas coisas ao me encantar com a qualidade po�tica dos desenhos de Wilma Martins.
A arte de desenhar de Wilma consiste numa recria��o dos objetos da casa ou, melhor dizendo, numa poetiza��o das coisas dom�sticas, como cadeiras, mesas, gavetas, x�caras, pratos, toalhas, moedores de carne, baldes, bacias, bancos, camisas, chinelos, bid�s, vasos sanit�rios, escovas, facas, pratos, livros, bolsas, jarros de plantas, liquidificadores, copos, panelas de press�o.
Ela realiza uma po�tica do ambiente dom�stico, em que pressente o mist�rio e nos mostra.
Onde voc� v� um simples balde, ela v� –como tudo mais em volta, ou seja, a casa onde vivemos– a beleza da forma pura, da coisa sem mat�ria, feita de linha e o branco da folha de papel. Esse papel branco que n�o � mais papel, n�o � mais mat�ria e, sim, a ess�ncia do mundo.
Sim, � um universo sem mat�ria que ela inventa com seu desenho, linha e luz apenas. E, ao constat�-lo, penso comigo: se o desenho acabasse, se artistas como Wilma Martins n�o mais existissem, n�o tenho d�vida nenhuma de que nossa vida seria mais pobre.
Essa � a raz�o por que costumo dizer que o artista, de fato, n�o revela a realidade; ele a inventa, e os desenhos de Wilma s�o prova disso: esse mundo po�tico s� existe neles.
E, como se n�o bastasse, para nos encantar, ela faz surgir nele ramos verdes, tufos de capim, a nos lembrar que a realidade tem cores e, mais, tem tamb�m bichos, alguns menores que uma colher.
O que aumenta a irrealidade com que Wilma transforma em sonho a banalidade (aparente) das coisas que nos cercam.
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