Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Duplo sentido
Deliberadamente deixei, por algum tempo, de comentar este assunto: a confiss�o de Lula a Jos� Mujica, ex-presidente uruguaio, de que precisou "lidar com muitas coisas imorais, chantagens" durante o mensal�o. Disse ainda ao colega que viveu tudo isso "com ang�stia e um pouco de culpa".
Esse fato veio � tona com a publica��o, no Uruguai, de uma biografia que cobre muitos anos da trajet�ria pol�tica de Mujica do ponto de vista dele pr�prio.
A referida confiss�o de Lula foi feita em 2010, quando o STF julgava o esc�ndalo do mensal�o. Lula teria dito a Mujica: "Essa era a �nica forma de governar o Brasil". Ou seja, comprando os deputados da base aliada.
Essa informa��o � importante, n�o porque nos revele um fato que j� era de nosso conhecimento, mas por se tratar de uma confiss�o do pr�prio Lula, que, desde o primeiro momento, afirmara n�o saber de nada a respeito do suborno e at� mesmo que havia sido tra�do por aqueles que o tinham praticado.
E mais, porque quem a revelou foi seu amigo Jos� Mujica, que n�o teria nenhum motivo para cometer deslealdade, inventando tal confiss�o –embora depois tenha negado que o colega se referia ao mensal�o, pouco se importando que o trecho do livro � claro. Al�m do mais, Mujica � por todos considerado um homem �ntegro, o que torna indiscut�vel a veracidade do que contou.
A confiss�o de Lula �, na verdade, uma tentativa de justificar, perante o amigo, o indiscut�vel suborno dos deputados. A afirma��o de que aquela era "a �nica forma de governar o Brasil" implica dizer que todos os pol�ticos brasileiros s�o corruptos, menos ele, Lula, claro.
Mujica, que, como bom comunista, acredita na classe oper�ria, n�o iria descrer do oper�rio Luiz In�cio Lula da Silva.
N�o � o nosso caso, pois preferimos partir dos fatos –e eles deixam claro o que aconteceu, isto �, o que foi de fato o mensal�o. H� algo de verdade na afirma��o de Lula, quando diz que aquela era a �nica forma de governar o pa�s.
Sim, a �nica forma de fazer o governo que ele pretendia fazer e fez, sem dividir com ningu�m o poder.
Logo ap�s proclamada a sua vit�ria, eleito presidente da Rep�blica, o PMDB –ent�o o partido que detinha a maioria no Congresso– manifestou interesse em aliar-se ao novo governo, mas Lula, de imediato, rejeitou a proposta. E por uma raz�o �bvia: aliando-se ao PMDB, teria que lhe entregar importantes minist�rios e empresas estatais –exatamente o que contrariava seus planos.
Por isso, em vez de um partido poderoso, escolheu como aliados partidos sem grande express�o. O mensal�o n�o nasceu por acaso. Longe disso, fez parte do projeto de poder de Lula, cujo prop�sito era perpetuar-se no governo.
Sucede que o presidente do PTB, Roberto Jefferson, em vez de dinheiro, queria a presid�ncia de Furnas. Contrariado em sua pretens�o, procurou o pr�prio Lula, com o qual nada conseguiu –claro!– e p�s a boca no mundo.
Lula, no primeiro momento, tratou de se esquivar: disse que havia sido tra�do. A culpa do suborno ficou ent�o por conta de Jos� Dirceu, Jos� Genoino e Del�bio Soares, os "traidores"; afora os petistas fan�ticos, ningu�m acreditou nessa hist�ria, pois n�o dava para crer que os tr�s principais homens de confian�a de Lula tramaram o mensal�o sem nada lhe contar. Noutras palavras, subornaram deputados para que eles aprovassem sem discutir todas as propostas do governo Lula, mas nada disseram a ele. Quanta bondade! � preciso ser d�bil mental para acreditar nisso.
Os seus tr�s amigos foram condenados e encarcerados, enquanto ele, o verdadeiro inventor do plano, nada sofreu. Mas tratou de compensar tamanha sacanagem mudando de conversa. Deixou de se dizer tra�do e passou a afirmar que nunca houve mensal�o, que, segundo ele agora, seria mera inven��o de seus advers�rios pol�ticos e da imprensa. S� para o amigo Jos� Mujica ele contou a verdade.
Mas a mentira tem pernas curtas. Como o esc�ndalo do mensal�o tornou invi�vel continuar subornando deputados, Lula se rendeu � realidade: aceitou o apoio do PMDB, que havia rejeitado. Em consequ�ncia disso, teve de dar a ele minist�rios e cargos importantes na m�quina estatal.
O sonho de eternizar-se no poder come�ou a fazer �gua. Agora com o desastre do governo Dilma, o PMDB j� est� quase mandando mais que Lula e Dilma juntos. Ele tinha raz�o: s� com o mensal�o ele poderia governar o Brasil.
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