Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Um cara de sorte
Inesperadamente, me pego a perguntar: se n�o tivesse conhecido M�rio Pedrosa (1900-81) quando cheguei ao Rio, com 21 anos de idade, que rumo teria tomado a minha vida?
Teria sido outro, respondo sem hesitar e, ao mesmo tempo, assustado com a constata��o. Mas que outro rumo teria tomado?
Imposs�vel saber, uma vez que n�o aconteceu e isso me leva a crer que s� poderia ter seguido o rumo que segui, t�o decisivo foi t�-lo conhecido e me tornado seu amigo, integrando o grupo de jovens artistas que se formou em torno dele.
Foi por t�-lo conhecido que tomei conhecimento da tend�ncia concretista, de que ele se tornara adepto de propagador. Por esse raz�o, em torno dele se formou um grupo de pintores e escultores, que aderiram � nova tend�ncia. Eu, que n�o era artista pl�stico e imprimira � minha poesia um rumo contr�rio � objetividade do concretismo, tamb�m me tornei um adepto do movimento.
Em fun��o de todos esses fatores, tornei-me amigo dos jovens artistas que seguiam as ideias de Pedrosa, com os quais passei a conviver e a discutir as novas ideias est�ticas.
Na biblioteca de M�rio, encontrei livros que me ajudaram a me formar intelectualmente; livros de filosofia, de est�tica e hist�ria da arte.
Com ele, aprendi a ver de maneira mais ampla a quest�o da arte, valorizando as inova��es da vanguarda, mas tamb�m a express�o virgem da arte das crian�as, dos primitivos e dos loucos.
Teria eu me envolvido com tais experi�ncias, se n�o o tivesse conhecido? Possivelmente, n�o.
Nem mesmo consigo imaginar-me, rec�m-chegado ao Rio de Janeiro, convivendo com outras pessoas.
E me pergunto: teria eu lido os fil�sofos pr�-socr�ticos, se n�o tivesse ele me emprestado o livro que reunia o pensamento desses fil�sofos?
Certamente, n�o. E, se n�o os tivesse lido, n�o teria seguido o rumo que segui e que imprimi �s minhas indaga��es de cr�tico de arte e de poeta. � que vamos nos fazendo pelo que lemos e pensamos.
Foi porque me integrei naquele grupo de artistas que ajudei a inventar a poesia concreta e inventei o nome de arte neoconcreta para designar os trabalhos que realizamos depois.
N�o pretendo dizer que o fato de ter conhecido M�rio Pedrosa e participado daquelas experi�ncias e discuss�es do grupo tenha sido o �nico fator determinante do caminho que segui na vida cultural.
As coisas n�o s�o t�o simples assim, pela raz�o mesma de que as caracter�sticas de cada indiv�duo —enfim, sua individualidade— s�o tamb�m determinantes de seu pensamento e de suas realiza��es.
Basta dizer que cada um dos membros do grupo neoconcreto imprimiu a suas obras qualidades que o distinguem dos demais.
Isso � verdade para eles como o � para mim, que, a certa altura, afastei-me deles e do tipo de arte que faz�amos, para engajar-me na luta pol�tica e por a servi�o dela o meu trabalho intelectual.
� que, �quela altura, a aventura neoconcreta me pareceu esgotada.
Essa op��o veio determinar minha aproxima��o com outro tipo de intelectuais, voltados inteiramente para as quest�es sociais e pol�ticas, e uma mudan�a radical nas minhas preocupa��es e atividades culturais.
Tratou-se, sem d�vida, de uma ruptura com o universo est�tico sofisticado em que atuei e com a concep��o de vida que ele implicava.
Basta dizer que, em vez de livros-poema e poemas-objeto, passei a escrever poemas de cordel, a mais rudimentar forma de poesia.
N�o obstante, o militante pol�tico que ent�o me tornei levava consigo toda a experi�ncia de arte e de vida que o conv�vio com M�rio Pedrosa e os artistas do grupo me possibilitara e que iria determinar, por sua vez, mudan�as posteriores que me fizeram ser quem sou hoje.
Mas n�o sou eu, nem o que ocorreu comigo, o que importa aqui. Quando formulei a pergunta do in�cio desta cr�nica, estava na verdade constatando o quanto fatores casuais s�o determinantes na nossa exist�ncia.
Nesse caso, tive a sorte de me tornar disc�pulo de um homem que era exemplo de lucidez e sonho, de erudi��o e irrever�ncia. Por tudo isso, s� posso dizer que dei na sorte na vida.
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