Cronista, cr�tico de arte e poeta.
Um Cordeiro inquieto
Considerar-se dono da verdade �, sem d�vida, uma tolice. Constato isso com relativa frequ�ncia ao me dar conta de que certas coisas que me pareciam indiscut�veis, n�o o eram.
Isso aconteceu comigo, recentemente, quando descobri que o que ao longo dos anos afirmara sobre a escultura de Amilcar de Castro, n�o era bem aquilo: de repente, percebi que, por tr�s da aparente racionalidade de sua arte, h� uma explora��o do casual, do imprevis�vel.
Pois bem, na semana seguinte, fui visitar a retrospectiva de Waldemar Cordeiro no Pa�o Imperial, no Rio de Janeiro, e descubro que o que frequentemente afirmara a respeito de sua personalidade e de sua arte estava errado.
Embora sem m�-f�, fui injusto com ele todas as vezes em que me referia � sua atua��o como artista pl�stico: atinha-me exclusivamente ao que ele fez e disse naqueles anos da d�cada de 1950, quando o concretismo teve in�cio no Brasil.
� sabido que o movimento concretista, que se implantou naquela �poca no Rio e em S�o Paulo, dividiu-se, em dado momento, por diverg�ncias te�ricas. Basicamente, a divis�o decorreu do fato de que os concretistas paulistas eram mais te�ricos e racionalistas do que os cariocas, preponderantemente intuitivos.
Era eu o te�rico do grupo carioca e, por isso, assumi a defesa de nossa posi��o, usando como principal argumento uma afirma��o de Waldemar Cordeiro, segundo a qual a cor deveria ser eliminada da pintura por ser racionalmente incontrol�vel.
Ele fez essa afirma��o descabida e eu a tomei como a express�o de seu sectarismo est�tico. N�o por acaso, os poetas concretistas do grupo paulista, naquela ocasi�o, tamb�m adotaram postura semelhante ao afirmar que a poesia deveria ser feita segundo equa��es matem�ticas.
Essa ruptura, ocorrida em 1957, afastava-me do grupo paulista, tanto dos pintores quanto dos poetas, inviabilizando qualquer di�logo. Pois bem, esta retrospectiva de sua obra mostrou-me que minha opini�o sobre ele era equivocada.
Ao contr�rio do que escrevi e repeti muitas vezes, Waldemar Cordeiro n�o era um artista sect�rio, submisso a uma concep��o estreita da arte.
Esta exposi��o no Pa�o, em cartaz at� 1� de mar�o, mostra-nos um artista inquieto, inconformado com as teorias e tend�ncias que marcaram estas �ltimas d�cadas da arte ocidental. A minha primeira surpresa, na segunda sala da mostra, foi deparar-me com pequenos esbo�os coloridos, em que a forma geom�trica j� perde a precis�o. Cordeiro, que pregara a elimina��o da cor na pintura, pintara quadros belamente coloridos.
Mas, j� antes, observara certas composi��es geom�tricas, de simples linhas tra�adas com compasso, muito criativas. Comecei a me dar conta de um outro Waldemar Cordeiro, diferente daquele que eu julgava conhecer. E essa constata��o foi se confirmando � medida que percorria a exposi��o.
Agora, deparo-me com uma tela intensamente colorida, com uma grande circunfer�ncia cujas bordas se diluem em luz e cor, que nos arrebata e fascina. Estava ali evidente que, em vez de eliminar a cor, ele a explorou em sua materialidade essencial, como luz.
�quela altura, lembrei-me dos quadros do in�cio da mostra, dos come�os do pintor, que nada tinham a ver com a etapa posterior: come�ara expressionista soturno e dram�tico e saltou para o concretismo objetivo e racional.
Ao ver, agora, as sucessivas buscas experimentais de Cordeiro, compreendo melhor a sua personalidade art�stica, que se revela ou se inventa a partir daquela ruptura inicial. No curso dessas novas buscas, ele passa a valer-se do computador para compor desenhos figurativos surgidos do uso repetitivo de uns mesmos sinais gr�ficos, numa demonstra��o de que seu compromisso n�o era com nenhuma est�tica e, sim, com a inventividade.
Os trabalhos da fase final nada t�m a ver com a arte concreta, nem mesmo com a arte pict�rica, qualquer que seja ela. S�o montagens de elementos mec�nicos ou restos de m�veis juntados aleatoriamente.
A visita a essa exposi��o mostrou-me um Waldemar Cordeiro que, ao contr�rio do que pensava eu, foi um artista inquieto e experimentalista.
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