Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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Marta e as chuteiras da equidade

Diferenças na remuneração, premiação e patrocínio são obra da discriminação de gênero ou da mão invisível do mercado?

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Marta batendo pênalti contra a Itália, logo antes de se tornar a maior artilheira da história das Copas Bernadett Szabo/Reuters

Eleita a melhor jogadora do planeta seis vezes, e agora também a maior artilheira de toda a história das Copas do Mundo, masculinas e femininas, Marta Silva entrou em campo na Copa trazendo nas chuteiras o logotipo de uma campanha, e não de uma marca, justamente para denunciar o abandono daquele espaço nobre pelos patrocinadores do futebol profissional.

GoEqual, que adotou como símbolo o sinal matemático de igual, tem reunido em torno de sua hashtag #goequal manifestações variadas de apoio. Além da atleta brasileira, a atriz Paolla Oliveira vestiu a camiseta da campanha e times femininos amadores, como o sarcástico @PanelaFutebolFeminino, posaram para fotos com os braços emparelhados em frente ao peito, num gesto que remete ao logo.

A ausência de patrocínio na chuteira de atleta tão consagrada como Marta é tida como índice da falta de equidade entre homens e mulheres no esporte. Os rendimentos da artilheira seriam outra evidência da mesma questão.

Apesar dos títulos, Marta não está na lista da revista Forbes dos jogadores mais bem remunerados do mundo, segundo a qual os ganhos anuais de Neymar seriam da ordem de US$ 90 milhões, ou cerca de R$ 346 milhões. Estima-se que Marta ganhe US$ 400 mil (R$ 1,5 milhão) ao ano, cerca de 225 vezes menos que o craque da seleção masculina.

A discrepância nos prêmios concedidos pela mesma organização, a Fifa, nos campeonatos masculino e feminino também salta aos olhos. Na Copa de 2014, os valores recebidos pela seleção campeã, a (7x1) Alemanha, foi 17 vezes maior que aquele que a seleção feminina dos EUA levou para casa junto com a taça da Copa do Mundo de futebol feminino, no ano seguinte.

As jogadoras da seleção americana resolveram peitar essa disparidade em território nacional. Vencedora de três dos sete campeonatos mundiais femininos, elas têm questionado diferenças de tratamento em relação a seus pares masculinos em batalhas judiciais contra a federação do esporte.

O caso americano não deixa de ser irônico: o time delas compõe a melhor equipe do mundo, o deles, famoso pelo desempenho sofrível, obteve sua melhor classificação na longínqua Copa do Mundo de 1930.

Em 8 de março passado, Dia Internacional da Mulher, a melhor seleção feminina do mundo acionou a federação norte-americana de futebol por discriminação de gênero na concessão de prêmios e diárias mais altas para atletas homens do que para mulheres.

Elas também denunciaram outras diferenças de tratamento baseadas no gênero, com o fato de a seleção masculina viajar apenas em vôos fretados, regalia que elas não recebem da mesma instituição, a US Soccer.

O argumento que sustenta tantas diferenças envolve os patrocínios que deixaram as chuteiras de Marta vazias, mas que mantêm campeonatos, jogadores, federações e a própria organização internacional. E os torneios masculinos trazem mais verbas --à Fifa e às organizações nacionais-- que seu correspondente feminino.

O contra-argumento das atletas americanas, as mais engajadas, é de que este princípio está equivocado. Segundo elas, seria como pagar menos aos funcionários que montam carros populares em relação àqueles que fazem mesmo trabalho, na mesma fábrica, mas cujo produto final da linha de montagem fossem carros de luxo, mais caros.

E ressurge o dilema do ovo ou da galinha: o futebol feminino é menos patrocinado porque gera menos interesse ou existe menor interesse justamente porque ele recebe menos investimento, visibilidade e patrocínio? Uma encruzilhada entre a mão invisível do mercado e a discriminação de gênero ou mesmo a misoginia.

Para as atletas, não existe dúvida, e a solução está na distribuição equânime de oportunidades e de investimento. E o caso das treinadoras de futebol seria um indicativo do potencial resultado.

Apenas oito das 24 seleções femininas da Copa de 2019 têm técnicas mulheres. Mas duas delas --Corinne Diacre da França e Shelley Kerr da Escócia-- já estão à frente, também, de equipes profissionais masculinas em seus países.

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