![Diogo Bercito](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/16320183.jpeg)
� mestre em estudos �rabes e correspondente da Folha em Madri.
Pa�ses �rabes n�o s�o um livro aberto
Juca Varella/Folhapress | ||
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Mu�ulmanas veneram imagem de Nossa Senhora da Salva��o em Bagd�, no Iraque |
Para entender a Col�mbia, um bom romance de Gabriel Garc�a M�rquez. Mia Couto para Mo�ambique, Saramago para Portugal. Afortunados os pa�ses que t�m o direito de ser lidos na literatura.
As na��es de cultura �rabe n�o parecem estar entre eles. Estados como S�ria, Iraque, L�bano e Sud�o s�o apenas folheados no jornal, entre not�cias de atentados e sob a constante sugest�o de que s� podem mesmo ser uns b�rbaros, se chegaram � situa��o em que est�o.
N�o � que falte literatura. O Brasil ainda carece de interesse por parte de editoras e leitores – que, sem acesso � fic��o, n�o enxergam o conflito s�rio como o resultado do medo e do �dio t�o bem descritos por Khaled Khalifa em "In Praise of Hatred" (2012), in�dito no pa�s.
O Iraque dos leitores �, por sua vez, resumido a "tantas pessoas morreram ontem, em uma explos�o no mercado". Ficam de fora o niilismo e o horror representados por Ahmed Saadawi em "Frankenstein in Baghdad" (2013), romance sobre um monstro criado a partir do que sobrou ap�s atentados a bomba. Tamb�m in�dito.
O L�bano teve mais sorte, talvez pelos la�os hist�ricos de sua comunidade no Brasil. O autor Elias Khoury foi traduzido ao portugu�s, e a guerra civil libanesa ganha mais e mais sombras em "Yalo" (2008), com o pesadelo e a tortura de uma mesma hist�ria recontada in�meras vezes.
Mas o melhor exemplo � possivelmente o romance "Tempo de Migrar para o Norte" (1966), do sudan�s Tayeb Salih. Esse livro, considerado a obra em �rabe mais importante do s�culo 20, foi traduzido ao portugu�s. Mas esgotou-se, e hoje s� existe em sebos (de onde tamb�m um dia vai sumir).
Uma oportunidade perdida. Com o texto, Salih capturou em um frasco de papel o l�quido que corre nas veias da regi�o. Seu anti-her�i, Mustafa Said, � a v�tima do colonialismo no Sud�o. Mas ele � tamb�m o algoz de seu opressor, quando aprende a usar as fantasias orientalistas a seu pr�prio favor.
Em um trecho, ele seduz uma mulher inglesa contando-lhe sobre seu pitoresco e inexistente vilarejo, onde le�es e elefantes caminham entre os nativos. � noite, diz, ele costumava estender a m�o e tocar nas �guas do rio para acalmar-se e dormir. Mentiras que ressoavam na imagina��o dela.
E nuances que hoje nos escapam. Quando povoaram as p�ginas dos jornais, nos �ltimos meses, os sudaneses haviam outra vez "migrado para o norte". Dissolvidos entre as multid�es de migrantes, em campos de refugiados, eram outros entre tantos — reduzidos todos � mesma hist�ria, cruzando pa�ses a p� e mares em barquinhos de borracha.
Fez falta que nos lembr�ssemos de que eles t�m, individualmente, hist�rias complexas para contar. Como Mustafa Said.
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