![demétrio magnoli](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15071389.jpeg)
Doutor em geografia humana, � especialista em pol�tica internacional. Escreveu, entre outros, 'Gota de Sangue - Hist�ria do Pensamento Racial' e 'O Leviat� Desafiado'. Escreve aos s�bados.
Sob Trump, pot�ncia dominante vandaliza sistema que ela esculpiu
A "armadilha de Tuc�dides" ressurgiu num editorial da revista "The Economist" que alerta para as agressivas t�ticas usadas pela China para estender sua influ�ncia externa. Trata-se de conceito oriundo da Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.): a ascens�o de uma nova pot�ncia curva a geometria do sistema internacional at� que a tens�o explode na forma de guerra com a pot�ncia tradicional. O voto da Assembleia Geral da ONU, na quinta (21), indica que, sob Trump, a pot�ncia dominante vandaliza o sistema que ela mesma esculpiu, acelerando a tend�ncia de colapso.
"Anotaremos os nomes dos pa�ses que votarem contra n�s", amea�ou Nikki Haley, a embaixadora americana na ONU, referindo-se � resolu��o de condena��o ao reconhecimento de Jerusal�m como capital de Israel por Washington. "Economizaremos bastante", completou Trump, sugerindo que os EUA retaliar�o por meio de cortes generalizados de ajuda financeira e militar. A resolu��o aprovada por aplastante maioria na Assembleia Geral inspirou-se em texto vetado pelos EUA no Conselho de Seguran�a que recebeu o apoio dos outros 14 membros, inclusive Reino Unido e Fran�a, aliados na Otan.
Foi patrocinada pelo Egito, aliado crucial no mundo �rabe e recipiente de ajuda militar anual de US$ 1,3 bilh�o, e pela Turquia, pe�a-chave da Otan no Mediterr�neo Oriental. Ao "anotar nomes", os EUA cartografam seu pr�prio isolamento.
O corte da ajuda ao Egito, que depende de aprova��o do Congresso americano, reduziria drasticamente a j� declinante influ�ncia dos EUA no Oriente M�dio. Submetida a eventuais retalia��es, a Turquia se moveria mais um passo na dire��o da R�ssia. J� o Paquist�o, outro recipiente de vultosa ajuda militar que pronunciou-se a favor da resolu��o, estreitaria sua antiga coopera��o com a China. Nos tr�s casos, Washington perderia parcerias vitais no combate ao jihadismo. Derek Chollet, que integrou o Conselho de Seguran�a Nacional no governo Obama, classificou as declara��es de Trump como indisfar��vel "amea�a vazia". De fato, os EUA obrigaram seus aliados a chamarem o blefe, precipitando uma dispens�vel humilha��o.
"Nossos cidad�os n�o mais toleram que continuem a tirar vantagem de n�s". A senten�a ritual de Trump, repetida uma vez mais, esclarece o ponto de vista do nacionalismo isolacionista.
O personagem que ocupa a Casa Branca enxerga o sistema internacional como um neg�cio fraudulento pelo qual os aliados exploram os EUA, obtendo prote��o militar e mercados para seus produtos em troca de quase nada.
A implica��o l�gica do argumento � que os EUA precisam derrubar os pilares do sistema injusto, investindo contra a ordem geopol�tica global (ONU) e a ordem econ�mica aberta (com�rcio), sem se preocupar com a estabilidade das alian�as militares (Otan). O caso de Jerusal�m inscreve-se na sequ�ncia l�gica da retirada do Tratado de Paris, de ren�ncia � Parceria Transpac�fica e de contesta��o das regras do Nafta.
A Liga do Peloponeso nasceu no s�culo 6 a.C., pela imposi��o da hegemonia de Esparta sobre Corinto, Elis e outras cidades soberanas da pen�nsula grega. Funcionava como uma alian�a militar, oferecendo prote��o a seus integrantes. A Pax Americana inclui um elemento similar ao da Liga do Peloponeso, que � a Otan, mas espraia-se sobre um vasto horizonte de institui��es multilaterais econ�micas e de seguran�a, algumas das quais servem tamb�m aos interesses chineses. Trump sabota deliberadamente essa ordem mundial erguida pelos EUA desde o p�s-guerra.
No sistema da Gr�cia Antiga, Atenas e sua Liga de Delos tinham apenas que confrontar a Liga do Peloponeso. A China, pot�ncia emergente, enfrenta uma tarefa mais complexa, de destrui��o (da hegemonia americana) e preserva��o (da ordem econ�mica aberta). Trump facilita-lhe a miss�o, debilitando os EUA e expondo o mundo � "armadilha de Tuc�dides".
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