Escritor e tradutor liter�rio.
A volta do chocolate
Em seus seis anos de vida, meu filho nunca tinha demonstrado o menor interesse em futebol. N�o sou um torcedor especialmente fervoroso e entrei em campo pela �ltima vez l� pelos onze anos de idade, mas a indiferen�a do moleque era tamanha e t�o virulenta que chegava a me incomodar.
A� veio a Copa. N�o foram necess�rias nem duas semanas para que eu passasse a abrigar dentro de casa um obcecado por qualquer partida que envolva Lionel Messi, interessad�ssimo em jogar futebol na escola, e que dia desses foi surpreendido assistindo a Portuguesa Santista x Jabaquara. E discutindo com o juiz.
Um dos efeitos colaterais dessa metamorfose (que incluem o fato de o garoto agora s� querer usar chuteiras) me atingiu de forma mais direta, e de in�cio at� dolorosa. Sempre fui on�voro em mat�ria de games, jogando de tudo em todos os g�neros com apenas duas exce��es:
a) os "RTS" (jogos de estrat�gia em tempo real), com os quais at� simpatizo mas me admito neurologicamente incapaz de jogar, � muita coisa acontecendo ao mesmo tempo;
b) meu n�mesis preferido: os games de futebol. Menos os jogos de gerenciamento como "Championship manager", crack letal sobre o qual j� escrevi por aqui.
Ok, � verdade que do "Pel�'s Soccer" do Atari 2600 ao "International Super Soccer" do SNES acumulei horas e mais horas de videolodup�dio, mas em algum momento perdi o interesse de repente. Eliminei esse tipo de jogo por completo da minha dieta e passei at� a nutrir por eles um certo desprezo elitista.
Birra bem adolescente, mas (provavelmente) por pregui�a acabei nunca deixando isso de lado. O motivo para o abandono acabou se perdendo em alguma sarjeta da mem�ria.
Voltando ao presente: estava eu mais uma vez tentando convencer o guri a n�o sair chutando tudo que encontrava pelo ch�o do apartamento quando notei que "PES 2014" estava sendo oferecido de gra�a na "Instant Game Collection" do PS3.
Com o descuido calculado de quem sabe muito bem que est� fazendo algo que n�o deve, mas decide fingir para si mesmo que n�o, n�o sabe de nada, baixei o jogo.
Entreguei o controle para o pequeno maior f� que Hern�n Barcos j� teve at� hoje (com a prov�vel exce��o dos pr�prios filhos, caso ele os tenha) e bem, acabou tudo.
As duas horas alocadas dois dias por semana para o moleque jogar –at� ent�o ocupadas por uma variedade razo�vel de g�neros entre Wii e PS3– viraram "as horas de jogar PES". Que algumas semanas depois viraram "as horas de jogar FIFA".
No intervalo entre essas duas �ltimas transforma��es, outra aconteceu, e em mim: de tanto meu filho insistir, comecei a jogar com ele. E a achar divertido. E a me sentir meio babaca por estar achando estranho achar aquilo divertido.
E comecei tamb�m a perder todos os jogos por no m�nimo quatro gols de diferen�a. Ou cinco. Por seis n�o � raro. Oito? J� aconteceu. Prefiro n�o falar sobre a partida que terminou em (Gr�mio) 12 a 1 (Real Madrid), sendo que este �ltimo foi um gol contra.
Nesse processo achocolatado acabei me lembrando por que eu tinha parado com os games de futebol: eu sou muito, mas muito ruim em qualquer um deles. � uma ruindade quase paranormal. Ao inv�s de melhorar com a pr�tica, s� consigo ficar ainda pior.
� uma tristeza sem tamanho, que me exaspera de um jeito rid�culo mas deixa meu filho muito feliz. E por isso, sem a menor dificuldade, aprendi a gostar dela. E voltei a jogar games de futebol.
Olha, mais um gol do Barcos.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade