Escritor e tradutor liter�rio.
Redimindo o extraterrestre
"E.T.", lan�ado no Natal de 1982 para o Atari 2600, � um dos piores games de todos os tempos. Nada faz sentido. O personagem-t�tulo vive caindo em buracos e passa o jogo inteiro fugindo. Investir tanto dinheiro na promo��o de algo t�o ruim s� poderia mesmo ter acabado em ru�na.
O fracasso de vendas foi t�o descomunal que feriu a Atari de morte e o encalhe de milh�es de cartuchos acabou enterrado no deserto do Novo M�xico. Esse epis�dio se tornou emblem�tico do Grande Crash de 1983, que quase extinguir o mercado de consoles.
Tudo balela. M� f�, diz-que-diz, fofoca, mexerico, boato. Ok, a parte dos cartuchos enterrados � verdade, mas tamb�m � verdade que "E.T." � um jogo excelente. N�o pedirei desculpas por essa afirma��o e vou me explicar.
Mas antes, um pouco de hist�ria: a obra de Spielberg tinha sido o blockbuster do ano. Howard Scott Warshaw, tamb�m autor do �timo "Yars' Revenge", recebeu da Atari a tarefa de criar um jogo baseado no filme.
Mesmo com um prazo absurdo de apenas cinco semanas e meia, o resultado foi uma das joias mais incompreendidas da segunda gera��o de consoles. O jogador controlava E.T. com a tarefa de recolher as tr�s pe�as do telefone que permitiria seu resgate.
N�o vou negar que, para um jogo de 2600, "E.T." � complexo, mas isso jamais foi sin�nimo de falta de qualidade. O segredo para entrar no jogo sem problemas era t�o simples quanto ignorado por muitos: ler o manual.
Os pretensos defeitos s�o bons achados de mec�nica a servi�o da caracteriza��o de personagem: despencar toda hora em buracos ajuda a reproduzir a sensa��o de vulnerabilidade do protagonista, que est� num planeta estranho, do qual n�o conhece o terreno. E.T. passa boa parte do filme confuso e com medo, e no jogo tamb�m � assim.
Ele n�o pode atacar ningu�m, mas isso � compreens�vel. Ora, n�o se trata de um soldado intergal�tico, mas de um bot�nico. Talvez o p�blico de 1982 n�o estivesse pronto para algo t�o avesso �s fantasias de poder que at� hoje dominam o cen�rio dos games comerciais, mas em termos de game design � uma vit�ria.
Os gr�ficos tamb�m se destacavam: quase n�o se v� o "flickering" t�pico dos jogos do Atari, E.T. � perfeitamente reconhec�vel e o agente do FBI tem at� cabelo debaixo do chap�u. Coroando a obra-prima, o jogo n�o apenas tinha uma tela de abertura, coisa rar�ssima naquela �poca, como ainda presenteava com uma "cutscene" quem conseguia mandar E.T. de volta para casa.
E cada partida era diferente, pois a localiza��o das pe�as e do local de pouso eram aleat�rias. Na tela de abertura, se ouvia a m�sica-tema do filme. Sofistica��o em jogabilidade e apresenta��o: o que mais algu�m poderia exigir?
Mas os infi�is seguiram blasfemando, e eu continuei sem entender qual era o problema. S� comecei a me sentir menos sozinho na minha admira��o d�cadas mais tarde, quando pipocaram na internet um punhado de sites de outros devotos de "E.T.".
Neste ano foi anunciada a produ��o de um document�rio no qual uma equipe tentar� encontrar e desenterrar os cartuchos entregues ao deserto. Espero que, ao falar do jogo em si, reconhe�am e divulguem enfim A Verdade.
E falando em verdades, uma �ltima antes do ponto final: o maior culpado do Crash de 1983 n�o foi "E.T.", mas aquela vers�o capenga de "Pac-Man".
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