Escritor e tradutor liter�rio.
Zelda na favela
Um vasto castelo abandonado, um garoto franzino dotado de um chifre solit�rio, uma menina cega.
Em "Ico" (PlayStation 2 e PlayStation 3), primeiro jogo do japon�s Fumito Ueda para a Sony, a solid�o � esmagadora, mas (talvez justamente por isso) o game n�o � desprovido de beleza.
Apesar de o game quase n�o ter combates --que acontecem somente quando sombras surgem para tentar levar Yorda, a menina--, a mec�nica baseada em "puzzles" que abrem novas �reas para fazer avan�ar a explora��o e a narrativa lembram a cl�ssica s�rie "The Legend of Zelda", da Nintendo.
Meu irm�o, nintendista feroz e desconfiado de tudo o que vem da Sony, certa vez descreveu "Ico" como "Zelda para melanc�licos". N�o posso nem quero fazer nenhum reparo a essa descri��o.
Alpino | ||
No game independente "Papo & Yo" (PS3/PC; dispon�vel na PSN, no Steam e no GOG), o jogador controla um moleque de n�o mais de nove anos que explora uma favela cuja arquitetura, mais do que acidental, tem toques de absurdismo.
Barracos se elevam aos c�us, empilhados de um modo quase imposs�vel. Assim que aparece na tela o primeiro "puzzle" a sensa��o � familiar, e quando o nome do garoto em roupas escolares se revela --Quico, um menino brasileiro--, a influ�ncia dos jogos de Fumito Ueda se torna cristalina.
Mesmo sem essa refer�ncia direta seria poss�vel reconhecer a d�vida atrav�s de outra marca dos jogos de Ueda: a intera��o progressiva e crucial com um personagem n�o jog�vel --neste caso, com o monstro Papo, que ajuda o menino, mas ao comer os sapos que passeiam pelo cen�rio � tomado de f�ria incontrol�vel, virando de aliado imprescind�vel a grande amea�a.
No in�cio do jogo, a cena de abertura mostra Quico se escondendo no interior de um closet. Um rugido se faz ouvir, a tens�o cresce e, pelas frestas da porta, se enxerga um monstro � procura de algu�m. Ent�o, uma porta m�gica surge na parede, Quico entra por ela e o jogo tem in�cio.
Ao lembrarmos disso, o jogo se ilumina: Papo, o monstro, n�o � uma entidade exclusiva daquele novo mundo com barracos empilhados at� o infinito. � uma amea�a dom�stica que existe onde Quico estiver, e de quem ele depende e se ressente em igual medida. No decorrer do game, de modos que n�o seria justo revelar aqui para quem ainda n�o jogou, isso fica ainda mais patente.
"Papo & yo", uma cria��o comovente do colombiano Vander Caballero, � uma tentativa de exorcizar e comunicar a experi�ncia de crescer numa casa com um pai alcoolista e usu�rio de drogas, dado a comportamento violento.
Mas resumir o game dessa forma --ou explicar em detalhes as mec�nicas-- � um reducionismo que banaliza e d� uma impress�o enganosa sobre a experi�ncia.
Seria como dizer que "Shadow of the Colossus", outro game do criador de "Ico", consiste em procurar e assassinar monstr�es, ou que "Magn�lia" fala sobre um grupo de pessoas tristes ou que "Guerra e Paz" fala de um monte de gente tentando sobreviver no meio de uma guerra. No fim das contas, como sempre, � preciso ler o livro, assistir ao filme e jogar o jogo para sentir, em algum n�vel, o que � viver a vida.
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