Escritor e tradutor liter�rio.
Armagedom pelo teclado
Quando eu dava uma espiada para o lado, conseguia enxergar por tr�s do reflexo da tela nos �culos do meu irm�o um par de olhos arregalados, piscando muito r�pido.
Ele tinha nove anos, um corte de cabelo em formato de capacete e farelos achocolatados de bolacha recheada nos cantos da boca.
Alpino | ||
Estava ofegando, a cabe�a dizendo "n�o" mesmo sem se mexer, e no nosso quarto n�o se ouvia nada al�m do zumbido discreto da televis�o ligada. Bem na nossa frente, em letras pretas sobre fundo branco, a pergunta tornada ainda mais sinistra pela aus�ncia de cedilha: "LANCAR MISSEIS? (S/N)"
Tudo come�ou quando assisti a "Jogos de Guerra" no cinema. No filme, hoje cl�ssico, Matthew Broderick interpreta um adolescente apaixonado por computadores que come�a a invadir redes privadas e, por acaso, quase acaba dando in�cio � Terceira Guerra Mundial. Foi ent�o que decidi que precisava de um PC.
Aprendi a programar em BASIC, ganhei um TK 85 da Microdigital e ali est�vamos n�s naquela tarde de 1985, diante de um programa feito por mim que simulava a invas�o de redes de computadores at� chegarmos (sem querer, como no filme) ao sistema de m�sseis nucleares dos EUA. Para meu irm�o, tudo aquilo estava acontecendo de verdade.
Quando ele derramou a primeira l�grima ao me ver apertar S no teclado macio para confirmar o lan�amento de 15 m�sseis em dire��o � Uni�o Sovi�tica, senti um pouco de culpa. Mas s� um pouco.
Meu irm�o cresceu e comecei a usar computadores para outras coisas. S� reencontrei prazer semelhante em 2001, quando saiu "Uplink" para PC (R$ 12 na GOG.com; h� vers�es para Mac e Linux e em 2012 o game foi lan�ado para iPad e Android). � um t�tulo da Introversion, pequena desenvolvedora que em 2006 lan�ou tamb�m "Defcon" (R$ 17 no Steam), game de estrat�gia dedicado ao gerenciamento de uma guerra termonuclear global, acabando com qualquer d�vida de que "Jogos de Guerra" inspirou toda uma gera��o de moleques oitentistas apavorados com a possibilidade de uma cat�strofe at�mica e fascinados por tecnologia.
Em "Uplink", uma cruza de simula��o com RPG, o jogador assume o papel de um hacker contratado para desvendar um enredo de tons conspirat�rios, em que uma grande corpora��o quer implodir a internet e dominar o mundo.
A interface est� mais para a simula��o hollywoodiana de filmes como "Hackers" (1995) que para o cotidiano dos invasores de redes do mundo real, mas isso n�o diminui em nada o envolvimento. � poss�vel passar noites em claro tentando descobrir uma brecha em um novo sistema. S� mais um. S� mais um.
Mesmo lan�ado h� 11 anos, "Uplink" conta at� hoje com uma comunidade muito ativa de jogadores, que produzem incessantes modifica��es e expans�es.
Confiro os novos cen�rios sempre que s�o anunciados, mas, enquanto vou me intrometendo nos sistemas, obtendo dinheiro para comprar novos programas e flertando com o armagedom ao alcance do teclado, sempre sinto falta da tens�o ing�nua do meu irm�o, que hoje nem usa mais �culos.
Talvez esteja na hora de apresentar o conceito de guerra nuclear ao meu filho de cinco anos.
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