Tão logo a ômicron passou a assustar o mundo, as reações de Joe Biden e de Xi Jinping foram exemplares de uma das encruzilhadas que o democrata vive em seu primeiro ano de governo.
De um lado, o presidente americano acalmava os ânimos ao dizer que a nova variante era motivo de preocupação, mas não de pânico. Do outro, o líder chinês anunciava uma doação de 1 bilhão de doses da vacina contra a Covid-19 para a África. Era o discurso contra a ação.
Nesta semana, Biden voltará a gastar saliva em uma cúpula, desta vez sobre democracia, para a qual Xi não foi convidado —o governo americano sustenta que o país asiático não tem credenciais para debater o tema. Não tem mesmo, trata-se de uma ditadura.
Mas muitos dos convidados também não têm tais credenciais, porque o critério para reuniões assim são interesses estratégicos, não índices que medem a qualidade da democracia.
Seja como for, Biden falará pelos cotovelos, pintando um cenário desgastado, no qual os americanos lideram o mundo livre. Na plateia, Jair Bolsonaro, o indiano Narendra Modi e o filipino Rodrigo Duterte.
Ainda que escutem o que o democrata tem a dizer, esses líderes autoritários saberão que há pouco a temer. O que a cúpula vai estabelecer para punir quem desrespeitar a imprensa profissional, por exemplo?
Os EUA, manchados pelas imagens da invasão do Capitólio, têm moral para exigir algo? Mais: a cúpula anterior, a do Clima, tão alardeada pela gestão de Biden nos primeiros meses de governo, deu no quê?
O Brasil é um personagem que ilustra bem essa falta de ação. Pressionado por Washington a anunciar compromissos mais significativos no combate ao desmatamento antes do evento, em abril, e cobrado a demonstrar ações práticas antes da COP26, em novembro, o país nunca viu nem a sombra de uma sanção.
Assim, a tática das "carrots and sticks", ou seja, a promessa de recompensa (as cenouras) aliada à ameaça de retaliação (as varas), anda parecendo mais saborosa do que dolorosa, e Biden, mais conhecido pelo gogó do que pelas atitudes.
Paradoxalmente, as iniciativas mais concretas desta gestão americana até aqui, os pacotes de infraestrutura e de benefícios sociais, aprovados a duras penas no Congresso, não foram suficientes para reverter a baixa aprovação nas pesquisas de popularidade do presidente.
Falta publicidade às ações do governo ou tempo para que os projetos se tornem benefícios concretos na vida dos americanos? Notícia boa demora a chegar.
Se Biden não consegue fazer da aprovação de propostas que certamente farão diferença nos EUA uma imagem mais amigável, uma cúpula sobre democracia recheada de autoritários também não ajudará. Nem com muitas palavras bonitas.
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