Desde o início da pandemia, são divulgadas informações de que a Covid-19 e outras doenças atingem desproporcionalmente mais negros e outros grupos étnicos, em diferentes países, como Reino Unido, EUA e Canadá.
O Department of Health and Social Care do governo do Reino Unido publicou em agosto que as taxas de infecção em grupos negros é em geral o dobro, quando comparadas com grupos brancos, e o risco de morte é 50% maior.
O CDC (Centers For Disease Control and Prevention), nos EUA, divulgou também em agosto estudos revelando que indianos, negros e hispânicos têm entre 2,6 e 2,8 vezes mais chances de serem infectados, cinco vezes mais chances de serem hospitalizados e duas vezes mais chances de morrer de Covid-19.
Assim como no Brasil, as populações mais vulnerabilizadas e periféricas são as mais afetadas porque têm mais dificuldades de acesso à saúde, maior exposição ao vírus em razão do trabalho que realizam e situação econômica mais precária.
No entanto, algo distingue o Brasil desses outros países: o fato de que não conseguimos saber o impacto da Covid-19 na saúde da população negra, quilombola e indígena, pois os dados sobre raça/cor continuam não sendo coletados e tratados, nos cadastros federais e em diversos estaduais e municipais.
A incorporação efetiva do quesito raça/cor nos cadastros vem sendo recomendada por instâncias do Judiciário, considerando as normativas que o país possui, mas ainda não foram atendidas.
São respostas à forte pressão de coletivos como o GT Racismo e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a Coalizão Negra por Direitos, a Sociedade Brasileira de Médicos de Família e Comunidade e de inúmeros grupos em todo o país, já que o dado não vem sendo colocado ou, quando aparece, não é preenchido em 72% dos cadastros, como respondeu, após provocação da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), o próprio Ministério da Saúde.
O dado cor/raça faz parte intrínseca do perfil de uma pessoa, assim como nome, data e local de nascimento, idade, sexo e endereço, e é, ao lado de sexo e gênero, o mais potente definidor de lugares sociais.
Inúmeras experiências, como em Belo Horizonte, São Paulo, Recife e Salvador, bem como censos de diversidade de grandes corporações, vêm mostrando que as pessoas rapidamente preenchem os dados quando é feita uma campanha sensibilizadora, engajadora e informativa dirigida a quem pergunta e a quem responde o dado, enfatizando a importância dessa informação para orientar políticas públicas e privadas.
Em Salvador, por exemplo, conforme pesquisa realizada pela Secretaria do Trabalho da Bahia em parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, 90% dos cadastros não eram preenchidos com informação sobre raça/cor. Nos dois primeiros meses de campanha de conscientização e engajamento, o não preenchimento caiu para 37%.
Colocando no centro da crise as desigualdades e considerando as eleições municipais de 2020, a Rede Nossa São Paulo e a Fundação Tide Setubal propõem o projeto (Re)age SP – Virando o jogo das desigualdades, para repactuação de caminhos para a cidade que, numericamente, tem o maior contingente negro do país, é a maior e mais rica da América Latina e pode responder de maneira sistêmica e inovadora à desigualdade.
Ressalte-se que, em pesquisa da referida Rede, em julho de 2020, o paulistano destacou que é prioritário que a prefeitura combata as desigualdades, focando os grupos mais vulneráveis.
Quem sabe, assim, possamos exercitar coletivamente uma forma afetiva de cuidarmos de nossa cidade e de nós mesmos, munícipes, para, nas palavras de Bell Hooks, “enxergar o passado com outros olhos... transformar o presente e sonhar o futuro”.
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