Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Movimentos 'identitários' querem conquistar coisas, não cancelar pessoas

Demissão de assessora levou turma de sempre a ressuscitar variantes do 'racismo reverso'

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Não é fácil a oposição de direita reclamar da aliança de Lula com o centrão, porque a oposição de direita e o centrão são mais ou menos as mesmas pessoas. A política econômica de Haddad é bem moderada e está dando certo. Restou ao pessoal, portanto, reclamar do "identitarismo".

As críticas recentes foram suscitadas pela postagem de uma jovem assessora do Ministério da Igualdade Racial no dia da final da Copa do Brasil. De maneira infeliz, ela ofendeu os são-paulinos por serem europeus, brancos e paulistas. Foi demitida. Torço para que se reerga na carreira.

O episódio levou a turma de sempre a ressuscitar variantes do tema "racismo reverso", o racismo de negros contra brancos.

Marcelle Decothé, chefe da assessoria da ministra Anielle Franco
Postagem de Marcelle Decothé, chefe da assessoria da ministra Anielle Franco, que critica torcida do São Paulo; a assessora foi demitida na terça (26) - Reprodução

A ideia de que o racismo reverso é um problema sério foi relançada recentemente pelo antropólogo Antonio Risério. Em um artigo publicado nesta Folha, Risério argumentou que, graças ao identitarismo, o número de casos de racismo reverso teria passado de um número que ele não quis nos contar qual era para um outro que ele também não achou importante compartilhar conosco. O único exemplo de racismo reverso que Risério achou no Brasil foi a adesão de uma parte do movimento negro ao integralismo nos anos 30 do século passado, e vários dos casos que encontrou mundo afora são de minorias discriminando minorias, o que não é "reverso".

É óbvio que membros de grupos marginalizados podem ser preconceituosos ou ofensivos, tanto quanto quaisquer outras pessoas. Também é verdade que a denúncia da discriminação pode ser feita de maneira errada: o professor Wilson Gomes relatou, em coluna recente, o caso de uma professora universitária que foi atacada desproporcionalmente por usar um pronome errado.

Mas essas características –a imperfeição moral dos beneficiados por um direito, a possibilidade de ele ser aplicado equivocadamente ou de forma picareta– também estão presentes em todos os direitos que consideramos indispensáveis, da liberdade religiosa à econômica. Como disse o velho Kant, do lenho retorcido da humanidade, nada de reto jamais foi feito.

Alguns críticos do identitarismo também reclamam que essas pautas seriam "importadas dos Estados Unidos".

A crítica de que a esquerda teria se tornado "identitária demais" é que foi importada dos Estados Unidos: no Brasil, a maioria das pautas "identitárias" são defendidas pelo PT desde sua fundação, como também o foram pelo PDT na época de Brizola. Ao contrário da "Terceira Via" dos anos 90, a esquerda brasileira nunca se distanciou decisivamente do sindicalismo e da luta por redistribuição.

Os movimentos normalmente reunidos (contra sua vontade) na categoria "identitários" têm pautas muito concretas: salário igual para trabalho igual, cotas raciais, igualdade matrimonial para LGBTs, a reorganização igualitária do trabalho doméstico, a representatividade em posições de poder, etc.

Garanto para vocês, quem participa ativamente desses movimentos está muito mais interessado em garantir essas conquistas concretas do que em cancelar gente em rede social.

Quantos aos excessos, aos desvios narcisistas de militância, ao uso picareta de boas causas, sugiro combatê-los como fazemos no caso de desvios cometidos contra outras boas ideias, sem esquecer o quão mais importante é corrigir as injustiças históricas que deram origem a esses movimentos.

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