Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Pedro Hallal, epidemiologista e ex-reitor da UFPel (Universidade Federal de Pelotas). A iniciativa é do Instituto Serrapilheira e da Maranta Inteligência Política.
Começo de 2019. Havíamos acabado de eleger um projeto que, entre outras bobagens, umas mais graves, outras menos, dizia que a Terra era plana. Seriam 1.461 longos dias até que o país voltasse a pensar e valorizar a ciência. A muitos parecia uma eternidade, sobretudo aos cientistas.
Para piorar, logo na virada de 2019 para 2020, surgiu a pandemia de Covid-19, a maior crise sanitária da nossa geração. Se já seria difícil enfrentar um surto epidêmico em um cenário normal, em uma situação de exceção, em que a ciência havia sido posta de lado e fora substituída por palpiteiros nas redes sociais, parecia um pesadelo. Era um cenário de filme de terror, e, infelizmente, as nossas piores expectativas se concretizaram.
No momento em que o Brasil mais precisou da ciência, os governantes optaram por ignorá-la. Ao contrário, perseguiram, censuraram e tentaram calar os pesquisadores que cometeram a desfeita de avisar à população que não precisava ser assim. Se o Brasil tivesse uma mortalidade por Covid-19 igual à média mundial, teríamos poupado mais de 500 mil vidas.
O maior estudo epidemiológico sobre Covid-19 no Brasil (Epicovid-19), contratado pelo próprio Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta e apoiado durante o curto período de Nelson Teich à frente da pasta, foi descontinuado durante a fracassada gestão de Eduardo Pazuello. A opção do Ministério da Saúde, daquele momento em diante, mantida por Marcelo Queiroga, foi voar às cegas.
Enquanto a ciência era boicotada, muita coisa acontecia nesse período de pandemia.
Chegaram ao cúmulo de negociar propina para a compra de vacinas. O líder maior da nação debochou das pessoas com falta de ar, milhares das quais acabaram morrendo. O guru do projeto anticiência morreu da doença para a qual não se vacinou, porque afirmava que a doença não existia. Milhares de pesquisadores brasileiros abandonaram o país, seja por falta de recursos para manter suas atividades científicas, seja por censura ou perseguição.
Nesses três anos e meio, o Ministério da Educação foi saqueado, e os recursos que deveriam financiar a educação brasileira foram usados em negociações que envolviam barras de ouro, tráfico de influência e ignorância. A ciência e a tecnologia brasileira tiveram seus recursos reduzidos a patamares incompatíveis com a importância do Brasil no cenário internacional.
No entanto, como sempre na história, a ciência resistiu. Não é a primeira vez nem será a última que políticos atacam a ciência na tentativa de implementar regimes autoritários. Como sempre ocorreu até hoje, a ciência triunfará.
Hoje, já se passaram aproximadamente 1.300 dias desse pesadelo e, felizmente, ele parece estar chegando ao fim. Se há algum saldo positivo desse tsunami é o fato de que a população passou a confiar mais na ciência e nos cientistas.
Foram os cientistas que disseram, desde o começo, que não era uma gripezinha, que não duraria só alguns meses, que cloroquina não resolveria o problema, que máscaras eram importantes e que só a vacina nos salvaria.
Foram os cientistas que colocaram a própria vida em risco ao desafiar um governo que os menospreza, os censura e os persegue. A população sempre soube que, em nós, poderia confiar.
A partir de janeiro de 2023, o movimento antivacina ainda existirá, mas não estará mais sediado no Palácio do Planalto.
A partir de janeiro de 2023, as universidades voltarão a ser reconhecidas como local de conhecimento e não da balbúrdia.
A partir de janeiro de 2023, aqueles que divulgarem como milagrosos medicamentos que não funcionam voltarão a ser tratados apenas como os charlatões e os imbecis que são.
A partir de janeiro de 2023, o povo voltará a comer carne, terá dinheiro para o gás, para a cesta básica e até para viajar de avião.
A partir de janeiro de 2023, muitos idiotas voltarão para onde nunca deveriam ter saído: o anonimato. Outros irão para o local compatível com os crimes que cometeram: a prisão.
Tique-taque, a ciência está voltando.
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