Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Contra o vinil e o celuloide
Filmes em celuloide, discos de vinil –que �poca de ouro, que saudade! Tudo bem sujo, bem riscado, fazendo um barulho infernal.
Quanto menos desse para enxergar, quanto pior o som, mais gostoso. Mundo bom era o mundo pr�-digital. De tecnologias "quentes", sem a frieza dos zeros e uns, do c�digo bin�rio que hoje controla nossas vidas.
Esquecendo um pouco as artes, havia tamb�m a vida antes dos antibi�ticos, essas subst�ncias agressivas que causam tanto dano.
Aquela sim era uma era maravilhosa. Morria-se de doen�as cur�veis, e, gra�as a isso, a evolu��o cumpria seu curso natural. E as vacinas, ent�o? S� vieram para prejudicar –dizem at� que provocam autismo.
Resson�ncia magn�tica? Um m�todo do mal. Perturba as propriedades f�sicas do n�cleo at�mico, e a natureza � algo sagrado, em que nunca se deve intervir.
Cirurgias cada vez menos invasivas, conhecimentos de gen�tica que se aprofundam... Que tempos terr�veis esses em que vivemos.
Sempre � bom avisar: os par�grafos acima cont�m ironia. N�o acredito em nada do que dizem.
Esse passadismo idealizado � conversa para hipster dormir. S� tem saudade desses dias quem n�o viveu neles. O cineasta William Friedkin, 79, estava l�. E n�o quer saber de olhar para tr�s.
Em entrevista ao site especializado em cinema "The Dissolve" (que infelizmente parou de ser atualizado neste m�s, mas segue com os arquivos no ar), ele abra�a a tecnologia digital para cinema e m�sica.
E n�o entende como algu�m pode defender os discos de vinil e o celuloide de 35 mm.
Friedkin dirigiu, em sequ�ncia, "Opera��o Fran�a" (Oscar de melhor filme em 1972, batendo "Laranja Mec�nica", de Stanley Kubrick) e "O Exorcista" (1973). Se n�o tivesse feito mais nada, j� teria escrito com honras seu nome entre os grandes.
Mas, em 1977, foi em frente e filmou seu projeto mais ambicioso, por�m pouco conhecido: o longa "O Comboio do Medo".
O filme foi para Friedkin o que "Fitzcarraldo" representou para Werner Herzog, e "Apocalypse Now" para Francis Ford Coppola. Uma empreitada insana, milion�ria, cheia de dramas pessoais e desist�ncias.
Na hist�ria, dois caminh�es precisam levar toneladas de explosivos, selva adentro, por 300 km. As filmagens foram na Am�rica Central. Quase ningu�m viu o resultado. Foi um fracasso de p�blico.
Mas "Comboio do Medo" sobreviveu no circuito de reprises. E, desde 2014, circula, com a chancela de Friedkin, uma vers�o restaurada � perfei��o, lan�ada tamb�m em Blu-ray.
O diretor explica para "The Dissolve": "� tudo digital. Ningu�m mais vai exibir esse filme em 35 mm. As c�pias est�o sujas, riscadas, at� partidas. 'Comboio do Medo' agora viver� no mundo digital".
Prossegue, fazendo compara��es entre o cinema e a m�sica: "Para mim [falar do celuloide com nostalgia, como faz o diretor Christopher Nolan], � como comparar os velhos discos de 78 rpm com os CDs. Quando voc� ouve um CD, � o som puro, do jeito que foi gravado. � uma grava��o, mas muito boa. Os velhos discos de 78 rota��es, e mesmo os de 33 e de 45, sempre ficavam riscados. Com o tempo, iam gastando. Mas o digital n�o gasta".
E finaliza: "Quem � que vai ter saudade de uma c�pia suja e riscada? Esses defeitos n�o eram inevit�veis. Eram uma falha no processo".
A ressurrei��o do vinil em certos c�rculos modernos s� se sustenta pelo vi�s do fetiche. Porque o disco � realmente bonito (e se presta a muitas interven��es, como ganhar cor e transpar�ncia). E porque as artes das capas e encartes ficam muito mais f�ceis de ver e manusear.
Mas n�o h� argumento t�cnico pr�-vinil. O som � pior, distorcido, tem est�tica, o disco para no meio e voc� tem de ir l� mudar o lado.
Sem falar que as prensagens brasileiras sempre foram horrorosas, sobre um pl�stico de p�ssima qualidade, t�o fino e flex�vel que era dif�cil at� de quebrar (e o que n�o falta neste pa�s s�o discos que merecem ser quebrados).
Claro, existem os audi�filos ultra-sofisticados, que ouvem vinil de alta gramatura, em equipamentos profissionais conectados por cabos de ouro. Mas esses s�o exce��o, trafegam em outra �rbita de exig�ncia e sensibilidade.
Amar o vinil comum como febre "vintage" � t�o rid�culo como rejeitar os avan�os da ci�ncia e da medicina, ter saudade de um tempo que nunca existiu.
Livraria da Folha
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