Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
A noite da iguana
"Eu estava em uma discoteca na ilha de Capri. Era um ambiente degenerado, com europeus sem nada para fazer e um monte de dinheiro para torrar. Escutei os primeiros acordes [de "I Feel Love", sucesso de Donna Summer] e pensei comigo mesmo: 'Game over: a disco music chegou'."
Das profundezas de um inferno rocker, quem traz a mem�ria � tona � Iggy Pop, 68, bronzeado de morador de Miami, zero de gordura corporal e bilh�es de neur�nios ainda em f�ria. A lembran�a � de 1977. A disco music fervia. Rock'n'Roll em crise. Iggy afundado nas drogas mais pesadas.
Para a iguana autodestrutiva do rock, parecia o fim da linha -na est�tica e na vida. Com sua banda, os Stooges, Iggy j� fazia punk rock uma d�cada antes de o g�nero existir oficialmente. Depois de cinco ou seis anos, o grupo implodiu e ele seguiu carreira solo. Entregou-se a todo tipo de excesso. No final dos anos 70, quando a disco engolia o rock, foi i�ado das profundezas por David Bowie, que o levou como parceiro de turn�s e ajudou nos discos.
Sobreviveu. Hoje toca suas can��es favoritas e conta grandes hist�rias em um programa semanal na r�dio BBC 6, "Iggy Confidential". Vai ao ar nas noites de sexta, e depois os epis�dios ficam dispon�veis no site (http://bbc.in/1CvGrPB). Iggy fala um ingl�s pausado e claro. D� para escutar sem sofrer.
A carreira radiof�nica de Iggy Pop come�ou h� cerca de dois anos, substituindo Jarvis Cocker, do Pulp, no programa "Sunday Service". Jarvis pediu uma licen�a para excursionar com a banda, mas n�o voltava nunca e Iggy foi ficando.
Quando Jarvis se dignou a retomar o posto, depois de muito tempo, Iggy j� tinha se firmado. Rapidamente ganhou um outro hor�rio na grade da emissora (que � disparada a melhor r�dio de m�sica do mundo).
Como apresentador, direto de um est�dio escuro na ensolarada Miami, Iggy reina soberano com a abrang�ncia de seu conhecimento musical e com a lucidez das lembran�as guardadas em seus miolos t�o maltrados pela qu�mica de recrea��o.
Tem rock? Claro, Iggy � uma enciclop�dia ambulante. Jazz? Sim, e com riqueza de coment�rios, contextualiza��o, e profundo conhecimento de causa. M�sica eletr�nica, reggae, sons obscuros do Oriente. J� fez at� um especial de m�sica latina, s� com raridades.
Apresenta desde as �ltimas novidades at� os sons mais cl�ssicos. Os coment�rios que faz entre as m�sicas s�o, sem nenhum favor, geniais.
Uma vez tocou "King Heroin", de James Brown, e na sequ�ncia contou sobre um show a que assistiu de Brown, ent�o em baixa total. Disse mais ou menos o seguinte: "Mesmo nos piores palcos, mesmo tocando para os piores p�blicos, James Brown sempre soube onde estava e quem ele era. E n�o s�o muitas as pessoas que sabem quem s�o".
Iggy � obcecado por James Brown, o que pode parecer surpreendente -mas s� em um primeiro olhar. Porque � no rei da soul music que Iggy bebeu, at� a �ltima gota, para criar sua persona art�stica.
O corpo el�trico, como se estivesse plugado diretamente em uma linha de alta tens�o. A atitude confrontacional, na beira do palco, olho nos olhos da plateia: "O artista aqui sou eu, voc�s que se virem". Claro, Iggy � o James Brown branco, olhos vidrados, um fio sem capa, o peito lacerado por cacos de vidro.
Chamado de pai do punk, Iggy � fascinado por m�sica negra. Depois de tocar "Cloud 9" (de 1968), dos Temptations, disparou mais uma: "Essa m�sica chama as pessoas para um mundo paralelo, fumar um baseado, tomar um �cido, ficar legal. Muitos de n�s que pegamos esse trem, nessa �poca, hoje estamos ocupados sobrevivendo a n�s mesmos".
Para os dias de hoje, "Iggy Confendential" traz s� um sen�o: s�o duas horas dominadas pela surpresa, pelo inesperado. N�o tem nada a ver com a nossa �poca, em que as pessoas procuram na internet aquilo de que elas j� sabem que v�o gostar, ou ent�o se submetem �s ofertas de um algoritmo que intui o gosto do fregu�s.
Nas noites de sexta-feira, na BBC 6, o �nico algoritmo � o que roda dentro do c�rebro de Iggy Pop. E, da cabe�a do homem-iguana, ningu�m prev� o que pode sair.
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