Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
O verdadeiro rea�a
Como assim, sua bicicleta n�o foi constru�da com bambu de uma ch�cara hol�stica e nem � um modelo "vintage" dos anos 1940? Rea�a!
Voc� n�o toma s� leite de soja feito com gr�os org�nicos cultivados localmente? Acha chata e pretensiosa a ceninha da MPB paulistana de Baixo Augusta e Sescs? Rea�a!
Nem sob a mira de um fuzil compraria um disco de Ti�, Criolo, Karina Buhr? Rea�a!
Imagina que S�o Paulo deveria ter outras prioridades, que n�o ciclovias em bairro descolados? Acha que nem todas as manifesta��es culturais da periferia s�o necessariamente maravilhosas, s� por serem da periferia? Rea�a!
De tantas palavras que tiveram seu uso avacalhado neste s�culo ("esquerda" e "direita" s�o outras duas que me ocorrem), "rea�a" ocupa o primeiro lugar. O carimbo de "rea�a"–"reacion�rio"– � cravado na testa de qualquer coitado que n�o se encaixe em uma cartilha bastante estreita de comportamentos e op��es partid�rio-culturais.
Diante de um quadro t�o distorcido, nada como conhecer um rea�a da pesada: o general Sylvio Frota (1910-96), o mais duro entre os linhas-duras do golpe militar de 1964.
Ministro do Ex�rcito do governo Geisel, foi demitido em 12 de outubro de 1977, sob suspeita de tramar contra o presidente.
Frota conta sua vers�o em "Ideais Tra�dos" (ed. Zahar, 664 p�gs. R$ 29,90), autobiografia lan�ada em 2006 e que conheci, por acaso, nos �ltimos dias. Leitura fascinante.
Frota, o rea�a, n�o tem d�vidas: no minist�rio de Geisel, s� ele pr�prio representava os ideais da Revolu��o. O presidente e o chefe da Casa Civil, o general Golbery do Couto e Silva, eram "homens de esquerda".
� isso mesmo: Geisel e Golbery "de esquerda".
Na ideologia de Frota, acima de tudo est� o Ex�rcito. Para ele, a cria��o da Escola Militar do Realengo, em 1913, no Rio, atraiu jovens de diversos segmentos sociais.
Assim, o Ex�rcito passou a ser "a mais l�dima representa��o do nosso povo". O que equivale a dizer que o Ex�rcito � o pa�s (ou melhor, a "p�tria", no falar gong�rico de Frota).
Apesar do ultradireitismo do general, "Ideais Tra�dos" desfaz, a meu ver, a ideia de ele ser um milico bronco e inculto.
Cita em franc�s e latim, lembra fatos hist�ricos com desenvoltura, at� se permite brincadeiras.
Em uma das in�meras vezes em que ataca o maquiavelismo de Golbery, descreve-o como um "seguidor bem-sucedido das normas do famoso funcion�rio da Chancelaria de Floren�a". Sobre um desafeto, coronel Leit�o, ressalta que "era conhecido pelo desagrad�vel e sugestivo apelido de Caveirinha".
Bem menos leves, sen�o perturbadoras, s�o as refer�ncias do militar �s torturas. Ele as nega.
Em sua gest�o no Minist�rio do Ex�rcito, aconteceram tr�s "suic�dios" de presos pol�ticos no DOI-Codi de S�o Paulo: o tenente da PM Jos� Ferreira de Almeida, o jornalista Vladimir Herzog e o oper�rio Manuel Fiel Filho.
Em nenhum momento Frota admite que suas mortes tenham sido consequ�ncias de tortura.
Cogita, no m�ximo, que, depois de interrogat�rios muito intensos, os presos, uma vez sozinhos na cela, psicologicamente destro�ados e sem vigil�ncia, preferiram se matar.
Ao descrever o dia em que o general foi demitido, o livro ganha tom de thriller. Ele alega ter sido pego de surpresa. Defenestrado por Geisel, volta ao minist�rio e convoca uma reuni�o de emerg�ncia do Alto Comando. Mas s� um general comparece.
Os outros, que chegam de v�rios pontos do Brasil, s�o apanhados no aeroporto por carros da Presid�ncia e levados ao Planalto. Depois de dez horas de tens�o, Frota finalmente entrega o cargo.
Ele rejeita enfaticamente ter tentado um golpe e nega ter se movido para suceder Geisel (que j� tinha escolhido Jo�o Figueiredo).
Credita tudo �s maquina��es de Golbery e do pr�prio Figueiredo, o "grupelho do Planalto". Insinua que os maiores defensores de sua candidatura, militares e pol�ticos, faziam parte, na verdade, de uma trama para indisp�-lo com Geisel e provocar sua demiss�o.
Em "Ideais Tra�dos", � preciso paci�ncia com o vocabul�rio rococ� (elogio � "enc�mio", rascunhar � "bosquejar", entristecer � "contristar" etc). E tamb�m est�mago de a�o nos trechos em que o autor nega os maus tratos aos presos pol�ticos.
Mas a leitura pode ser did�tica. Quem chegar ao fim das 664 p�ginas vai entender o que � ser um rea�a de verdade.
E que isso n�o tem nada a ver com bambu, soja, MPB ou ciclovia.
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