Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Parasita
Estou diante de uma obra de arte? Ou ser� de um filme rid�culo de fic��o cient�fica? Um longa-metragem profundo, que explora os extremos do terror e da ultraviol�ncia? Ou s� mais uma saga adolescente, um "Crep�sculo" "ersatz" banhado em sangue e membros amputados?
Larvas esverdeadas entram pelos ouvidos e narizes dos incautos. V�o at� o c�rebro, onde assumem o comando de pensamentos e a��es. Entre as v�timas, um menino que mora em um sobrado espa�oso com a m�e. Ele n�o sucumbe 100%, mas seu bra�o direito ganha vida pr�pria, parece de borracha, estica indefinidamente. Na palma da m�o, surge um olho. Logo abaixo, uma boca. O bra�o fala.
Muito da a��o se passa em uma escola. Uma professora de qu�mica, de longos cabelos negros, vaga pelos corredores com olhar vazio. Sua mente tamb�m foi invadida. Vemos que ela mora em uma mans�o modernista. A casa, s� concreto e linhas retas, tem todas as caracter�sticas do ilustre arquiteto Tadao Ando.
A professora e os homens que vivem com ela parecem jovens de respeito, mas s�o todos zumbis canibais.
"Rewind" no tempo. Em Sapporo, norte do Jap�o, faz um frio de congelar o sangue nas veias, mas as ruas fervem. � a semana do Yuki Matsuri, o festival da neve, o mais animado da quinta maior cidade japonesa. Vem gente de todo o pa�s e at� alguns estrangeiros. Um Carnaval subzero: neve no lugar de confete.
Final de tarde. N�o s�o nem 17h, mas os raios de sol e o horizonte j� formam um �ngulo superagudo. No escuro, o frio fica ainda mais cortante. Penetra pelas camadas e camadas de roupas t�rmicas como se fossem feitas de papel de seda.
� preciso procurar abrigo. Um cinema, claro. Mas o que ver? Todos os filmes s�o japoneses. N�o falo a l�ngua. N�o entendo os letreiros atr�s da bilheteria. Nenhuma foto, nenhum cartaz para ajudar. A caixa s� se comunica em japon�s.
N�o h� o que fazer. Escolho o filme pelo hor�rio: o �nico com uma sess�o come�ando naquele momento. Mostro com os dedos o n�mero da sala. Acho que era a quatro.
Compro o bilhete e corro para dentro. Antes de mergulhar no escuro, noto na entrada da sala um cartaz onde uma jovem contempla o horizonte. Atr�s dela, um c�u azul perfeito. Fico achando que entrei em um filme rom�ntico para mocinhas. Paci�ncia, pelo menos escapei do frio.
Sento em meu lugar. Som e proje��o excelentes. Conforto sem exageros –a poltrona, �tima, � s� uma poltrona, e n�o uma cama, como nos cinemas ridiculamente luxuosos que se espalham pelo Brasil.
Na tela, uma larva verde escapa da carga de um caminh�o. De repente, diversas pessoas, dormindo em suas casas, s�o atacadas pelo verme. Acho que � s� um trailer, mas as cenas se sucedem. J� � o filme! O cartaz da menina adolescente devia ser uma outra coisa qualquer, talvez uma pr�xima atra��o.
Aqui, n�o h� romance: os humanos invadidos pelas larvas se transformam em monstros sanguin�rios.
Diante de um inimigo, suas cabe�as se abrem. De dentro delas, saem tent�culos que degolam quem estiver por perto.
As refer�ncias mais claras s�o "Scanners" (1981) e "Videodrome" (1983), ambos de David Cronenberg, al�m de "Os Invasores de Corpos" (1978), de Philip Kaufman, e "A M�o" (1981), de Oliver Stone.
Mas s�o somente refer�ncias, porque nunca vi nada igual a este filme japon�s. Come�o a tomar notas desesperadamente, usando com discri��o o celular. Foi gra�as a elas que consegui escrever esta coluna.
N�o h� limites para o horror na tela. Uma m�e mata o filho, uma filha arranca o cora��o do pai, dezenas de meninas s�o chacinadas em uma escola, um dos zumbis se torna pol�tico e passa a comandar uma turba neofascista.
O filme termina. Ningu�m se mexe at� o fim dos cr�ditos. Agora, a maior surpresa. Antes de voltar para a noite gelada, ainda perturbado pelo que acabo de assistir, olho em volta e fa�o minha �ltima anota��o: "Acende a luz –crian�as na plateia".
*
De volta ao Brasil, descubro que o filme se chama "Kiseijuu" (Parasita). � uma adapta��o de um mang� dos anos 1980/90. �tima recep��o de cr�tica e p�blico.
Aqui, mais explica��es (em ingl�s) e o trailer: http://goo.gl/Q141FB. Veja e acredite.
cby2k@uol.com.br
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