Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Prefeito fora do eixo
Ponto de mudan�a: um dia perdido em 2008. Espero na porta de uma casa de shows na Vila Madalena. Na fila, em vez de amigos e amigas, encontro a filha de um colega do trabalho. Passei muitos anos vendo m�sica ao vivo, mas aquela era outra cena, outra gente.
Foi um primeiro sinal.
Quando o show est� para come�ar, mais um baque: a cantora que sobe ao palco, cria da explos�o dos v�deos na internet, tem idade para ser minha filha –quase minha neta. Na plateia, meninos e meninas t�o jovens quanto ela, que n�o assistem TV nem ouvem r�dio. Veem v�deos no YouTube, e no YouTube a tinham descoberto. Segundo sinal.
Ela come�a a cantar. Representa a fina flor da classe m�dia alta paulistana, "tomboy" ainda adolescente mas j� cheia de certezas, a palavra "ar-tis-ta" impressa no DNA de cada c�lula. As letras, em portugu�s e ingl�s, falam de seu jovem universo. S�o doces e leves como algod�o.
Foi o terceiro e definitivo sinal: aquele n�o era mais meu ambiente. A partir dali, parei de ir a shows. Sigo acompanhando o chamado "mundo jovem", por convic��es pessoais a obriga��o profissional. Mas finalmente entendi que eu n�o fazia mais parte daquilo, era s� um observador –muito atento, mas distante.
Esperar o mesmo tipo de autocr�tica de um pol�tico, no entanto, � como aguardar a segunda vinda do Messias. Pe�o desculpas aos crentes, mas n�o vai rolar.
Lembrei do show na Vila Madalena h� algumas semanas quando vi o prefeito de S�o Paulo, Fernando Haddad, junto com os grafiteiros que encheram de pinturas os tais Arcos do J�nio, na avenida 23 de Maio. Al�m de grafiteiro e incentivador da "arte popular", o prefeito tamb�m � "ciclistoativista".
Muita gente reclama que os grafites s�o um atentado ao valor hist�rico dos arcos, erguidos h� cerca de cem anos. O fato de um dos desenhos ser um retrato gigantesco de Hugo Chavez tamb�m provocou grita.
O moderno prefeito ataca os opositores: ultrapassados, "conservadores", n�o est�o entendendo os novos tempos.
Pode ser coincid�ncia, mas � exatamente o mesmo discurso do coletivo Fora do Eixo quando recebe alguma cr�tica. Dona suprema da raz�o p�s-moderna, a tropa do FdE chama de "anal�gicos", "rea�as" e "direitistas" todo mundo que ousa atac�-la.
O Fora do Eixo, � bom lembrar, aparelhou a Secretaria Municipal de Cultura de S�o Paulo na gest�o de Juca Ferreira, e j� aboletou-se tamb�m no MinC, do qual Ferreira � agora titular.
Como mostrou reportagem recente da "Ilustrada", o FdE, liderado pelo messi�nico Pablo Capil�, � visto pelo PT como uma chance de o partido retomar suas conex�es com a juventude. Essa liga��o, umbilical na origem petista, foi se esgar�ando at� explodir nos protestos de junho de 2013, que pararam o pa�s e come�aram justamente por causa de um aumento de �nibus decretado por Haddad.
Aos petistas que, como parece ser o caso do prefeito, ca�ram no conto do poder de mobiliza��o do FdE, recomendo dois estudos: "The Space, the Gear, And Two Cans of Beer", de Shannon Garland, da Universidade Columbia (EUA), e "Vida Fora do Eixo", da Andr� da Fonseca, da Universidade Estadual de Londrina.
Nenhum dos dois � rea�a, anal�gico, ou tem vi�s anti-FdE –pelo contr�rio, mostram at� simpatia ao grupo. Mas, na minha interpreta��o, ambos coincidem em um diagn�stico: o FdE � uma m�quina de autopromo��o e autorrefer�ncia, de limitado alcance fora de seus dom�nios (as tais Casas Fora do Eixo). E que infla seus n�meros para atrair patrocinadores e impressionar pol�ticos.
S�o Paulo segue � m�ngua, filha bastarda da Cidade do M�xico com Calcut�. O prefeito pautado pelo Fora do Eixo, no entanto, se comporta como se governasse Portland, a capital da fofura, da corre��o pol�tica, da comida org�nica, das sand�lias Birkenstock.
Peno para entender por que, diante de n�meros pavorosos de impopularidade, Haddad adota como estrat�gia tomar iniciativas que s� dizem respeito a jovens de 18 a 24 anos da Vila Madalena, Pinheiros e outros poucos redutos da "descol�ncia" paulistana.
Montado em um selim, latas de tinta na m�o, ele faz de conta que n�o nasceu em 1963. Seu neg�cio � grafite e ciclovias. E, com o Fora do Eixo na hist�ria, neg�cio � sempre uma palavra adequada.
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