Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
A Batalha de Argel
Col�nias eram os outros: Marrocos, Tun�sia etc. A Arg�lia era mais que isso, era a pr�pria Fran�a. T�o francesa quanto a Borgonha, a Bretanha, a Als�cia. S� que do outro lado do Mediterr�neo.
Esse era o pensamento dominante na Fran�a dos anos 50, incluindo boa parte da esquerda. Os franceses entraram na Arg�lia em 1830. Achavam que estava tudo dominado. At� que um dia a revolta saiu do controle.
"A Batalha de Argel" (1966), do diretor italiano Gillo Pontecorvo, captura esse "zeitgeist" com realismo e precis�o. As imagens parecem querer saltar da tela. � um dos maiores filmes pol�ticos de todos os tempos. Pontecorvo, de uma rica fam�lia judaica italiana, ex-estudante de qu�mica e ex-tenista de competi��o, morreu em 2006, pouco antes de completar 87 anos. S� este filme bastaria para justificar sua carreira.
"A Batalha de Argel" se passa na segunda metade dos 1950, em uma Argel segregada. Na parte baixa, uma cidade como as do sul da Fran�a: ruas largas e arborizadas, caf�s com mesas nas cal�adas, pr�dios baixos de amplas varandas, festas glamorosas que parecem n�o ter fim.
Poucos quil�metros acima, pendurada nas montanhas, est� Casbah. A cidade �rabe reduzida a um gueto: labir�ntico, miser�vel, terreno f�rtil de revoltas. L� � a sede da Frente de Liberta��o Nacional (FLN), organiza��o que aglutinou diversos grupos para combater o colonialismo franc�s.
Os policiais franceses raramente chamam os argelinos pelo nome. Preferem um ep�teto: "�rabe sujo". Depois de uma s�rie de atentados da FLN, Casbah � cercada com arame farpado. Ningu�m entra ou sai sem passar por "check points", onde os �rabes s�o tratados a empurr�es e pontap�s (as mulheres, menos —os policiais franceses se derretem em galanteios �s mais bonitas).
Os guerrilheiros da FLN agem no mesmo compasso. Plantam bombas em danceterias, bares, no J�quei Clube, passam de carro fuzilando inocentes a esmo, matam policiais pelas costas. Usam mulheres e crian�as para suas a��es. Remorso zero.
A repress�o francesa � brutal. No comando, o coronel Mathieu, her�i da resist�ncia antinazista, interpretado por Jean Martin, o �nico ator profissional do filme. A tortura � seu principal m�todo de "investiga��o". Paus-de-arara, afogamentos, surras, choques el�tricos nos l�bulos das orelhas —tudo mostrado em cenas expl�citas.
Numa tensa entrevista coletiva, rep�rteres contestam Mathieu e seus m�todos ultraviolentos. O militar retruca: "Voc�s nos chamam de fascistas, mas muitos de n�s lutamos na Resist�ncia contra Hitler. Muitos de n�s somos sobreviventes de campos de concentra��o. Criticam nossos m�todos, mas se esquecem de que, quando a FLN come�ou a atacar, toda a imprensa, inclusive 'L'Humanit�' [�rg�o oficial do Partido Comunista], exigiu que o movimento fosse esmagado".
Cineasta de esquerda, mas cr�tico do stalinismo (como se percebe pela ironia de Mathieu contra o jornal comunista), Pontecorvo fez um filme distante de manique�smos e julgamentos morais. Sua narrativa, embora pr�-argelina, se equilibra em uma corda fina de ambiguidade.
Bebendo direto da fonte de Eisenstein, com fotografia cintilante em preto e branco, o cineasta filma manifesta��es de ruas e atentados a bomba como se estivesse fazendo uma reportagem. S�o multid�es onde nada parece encenado. E a c�mera ali no meio, a insurg�ncia em temperatura m�xima.
Em 1962, depois de oito anos de guerra e mais de um milh�o de mortos, veio a independ�ncia. A FLN tomou o poder, que exerceu com implac�vel autoritarismo, instalando-se como partido �nico.
Cerca de um milh�o de franceses que viviam no pa�s foram for�ados a voltar para a Fran�a. E os argelinos que, sem o jugo colonial, sonhavam com a liberdade, esses continuaram sonhando. A FLN ainda controla a Arg�lia, em conflito constante com rebeldes isl�micos fundamentalistas.
Os irm�os Ch�rif e Said Kouachi, fac�noras que cometeram o atentado contra o "Charlie Hebdo", eram cidad�os franceses de origem argelina (a mesma de 5 milh�es dos 6,5 milh�es de mu�ulmanos da Fran�a).
Como escreveu o jornalista Robert Fisk, correspondente no Oriente M�dio do "Independent": "Eles agiram com o descaso impiedoso e quase profissional. [...] Nada, absolutamente nada, pode justificar esse ato cruel de assassinatos em massa. E n�o, os assassinos n�o podem apelar � hist�ria para justificar seus crimes. [...] Mas � preciso lembrar que nada —zero mesmo— acontece sem um passado".
� esse passado que vive em "A Batalha de Argel".
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