Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Os valores da USP
Ele falava, eu sofria.
De um lado da mesa, o f�sico boa-pra�a Alan Guth (do Instituto de Tecnologia de Massassuchetts, MIT), ent�o um jovem professor em rota r�pida para a titularidade. Ele tinha sido contratado na esteira de uma teoria crucial, que formulara poucos anos antes.
Do outro, em p�nico e suando aos litros, este colunista, na �poca rep�rter de "Ci�ncia" da Folha, em temporada de estudo nos EUA. Com paci�ncia sem fim, Guth explicava, e eu pouco entendia, a teoria do universo inflacion�rio.
Segundo essa tese t�o elegante, elaborada por ele, em um instante infinitesimal depois do Big Bang a gravidade se transformou em antigravidade e o universo se expandiu por um fator igual ao n�mero 1 seguido de 30 zeros. Era a solu��o para um monte de problemas da cosmologia. Por exemplo: por que o universo � t�o plano e homog�neo? Uma rapid�ssima expans�o primordial explicaria isso.
Bem, isso eu sei agora, 25 anos depois (e nem sei se expliquei direito). Na �poca, rep�rter iniciante e formado em qu�mica, eu mal sabia que existia um ramo da f�sica chamado cosmologia. Que dir� entender de universo inflacion�rio. Que dir� ser capaz de entrevistar decentemente Alan Guth.
Penando na parte cient�fica, eu anotava, desesperado, cada palavra. Ainda que eu n�o entendesse nada, se fosse capaz de reproduzir fielmente o que o cientista dizia, pelo menos a mat�ria sairia sem bobagens. Acho que foi publicada. Honestamente n�o me lembro.
De toda a conversa, pouco registrei da cosmologia em si, mas nunca me esqueci da hist�ria de vida que Alan Guth me contou. No meio acad�mico brasileiro, uma trajet�ria que seria imposs�vel.
Quando teve a ideia do universo inflacion�rio, em 1981, Guth j� estava no quarto (!) p�s-doutorado. O nome � bonito, "p�s-doutorado", soa como algo para al�m do m�ximo, um �pice para muito poucos.
Na pr�tica, � incerteza e afli��o. O sujeito j� tem t�tulo de doutor, mas ainda n�o encontrou o que fazer. Vai para o "p�s-doc". Quando termina, espera-se que arrume emprego de professor em alguma universidade. Ou isso, ou um vazio abismal.
No desespero, se nada acontece, embarca em um segundo "p�s-doc", ganhando tempo enquanto espera por alguma institui��o que decida contrat�-lo, ou ent�o que ele desista da carreira acad�mica e abra um food truck de comida peruana, uma academia de maracatu etc.
Guth estava assim: em mais um "p�s-doc", sem destaque entre seus pares, pensando em abandonar a ci�ncia. At� que saiu o artigo em que concebia o universo inflacion�rio.
A repercuss�o foi enorme. Seguiu-se uma situa��o impens�vel no Brasil: universidades de primeiro time faziam fila para contrat�-lo. Uma proposta melhor do que a outra de sal�rio, benef�cios e oportunidades de pesquisa. Ele optou pelo MIT, mas poderia ter escolhido outro lugar de prest�gio equivalente.
Agora, imagine a USP –disparada a melhor universidade do Brasil, mas de limitada proje��o internacional – tentando atrair um jovem g�nio do n�vel de Guth. Oferecer um cargo alto, de cara? Sem chance. O infeliz teria de seguir os passos paquid�rmicos da carreira universit�ria no Brasil, preparando toneladas de material a cada etapa de "promo��o", esperando abertura de vaga, e torcendo para que vencer o concurso p�blico fosse mesmo quest�o de m�rito, e n�o uma a��o entre amigos.
A USP tamb�m n�o poderia oferecer um sal�rio de n�vel internacional, j� que agora, por lei, o m�ximo � R$ 20 mil por m�s (e s� depois de anos e anos de dedica��o). � pouco para a ci�ncia de primeira linha.
Domingo passado, depois de uma vit�ria na Justi�a, a Folha publicou os vencimentos dos professores da USP. Entre 6 mil docentes, s� um ganha R$ 60 mil, mas foi esse valor, uma distor��o sem import�ncia estat�stica, que tanto repercutiu. Como se os docente da USP recebessem todos supersal�rios e vivessem como nababos.
Vale notar que, ao mesmo tempo em que se condena a USP por uns poucos sal�rios altos, cobra-se dela que tenha import�ncia mundial, fa�a pesquisa de relev�ncia e atraia grandes cientistas.
Dif�cil. Com desastres sucessivos de gest�o, greves constantes (principalmente de funcion�rios muito bem remunerados) e incapaz de oferecer condi��es atraentes para talentos estrangeiros, a USP corre o risco de resignar-se a um futuro paroquial. Os herdeiros cient�ficos de Alan Guth v�o continuar longe daqui.
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