Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
A estrada de Robin
N�o � exatamente que a autoestrada 101 seja interrompida quando chega a San Francisco: ela se dissolve pelas ruas da cidade.
A freeway, que percorrre verticalmente a costa oeste americana, vem de Los Angeles, 600 quil�metros ao sul. E l� � diferente: a 101 parte L.A. ao meio, entra por cima, por baixo, rodovia e metr�pole superpostas em um �nico monstro de concreto.
J� em San Fran, � como se a 101 respeitasse a capital da contracultura, o ber�o do movimento hippie. Como se tivesse vergonha de despejar sobre a pacata San Francisco seu tr�fego brutal, n�o quisesse fazer tremer as velhas casas vitorianas.
Mas a 101, sempre paralela ao Pac�fico, tem uma miss�o: com ou sem San Francisco em seu caminho, ela precisa seguir at� o Estado de Washington, o �ltimo da costa oeste antes da fronteira com o Canad�.
Por isso, depois de desaparecer ao sul da cidade, deixar de existir entre as ladeiras que j� foram de Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jerry Garcia e dos poetas da gera��o beat, ela ressurge mais ao norte, incorporada em uma das pontes mais conhecidas do mundo: a Golden Gate, t�o bela que parece flutuar no horizonte.
Com pouco menos de tr�s quil�metros, a Golden Gate acaba, a 101 segue adiante e um outro mundo come�a: Marin County, o condado de Marin, vizinho pacato e rural da ultraurbana San Francisco.
Neste trecho, a faixa de terra � estreita. � esquerda, o Pac�fico em f�ria. Do outro lado, a ba�a de San Francisco. Entre um e outro, rasgando a floresta de con�feras, a rodovia 101.
Por ali, a conviv�ncia com a natureza � intensa. As temperaturas raramente caem abaixo de zero, mas o frio, ainda que n�o seja extremo, dura o ano todo. Nos �ltimos dias, auge do ver�o no hemisf�rio Norte, a temperatura m�xima foi de 20 �C . A m�nima, 14 �C. Sem contar o vento. Sem contar o oceano g�lido logo ali.
As cidades de Marin, uma em seguida � outra, s�o pequenas. Os nomes n�o deixam esquecer que, at� meados do s�culo 19, ali era M�xico: San Rafael, San Anselmo, San Geronimo, Lagunitas.
Os poucos restaurantes fecham �s 20h30. Vida noturna inexiste. Mora em Marin quem nasceu ou se criou ali —ou quem quer se isolar.
N�o � uma �rea da moda, cobi�ada por celebridades. Entre as poucas que vivem na regi�o, os m�sicos do Metallica, o guitarrista Carlos Santana e o diretor George Lucas.
Marin tamb�m era a terra de Robin Williams. Ele nasceu em Chicago, mas mudou-se para l� aos 16 anos. Estudou teatro em uma faculdade regional, o College of Marin.
Sua cidade atual era Tiburon. Voltada n�o para a imensid�o do Pac�fico, mas para as �guas congelantes da ba�a. O slogan do lugar: "A minutos de San Francisco —mas a um mundo de dist�ncia".
Verdade. Quando a neblina permite, Tiburon tem uma vista arrebatadora de San Fran, uma das cidades mais lindas do mundo.
N�o sei se Robin Williams via esse cen�rio da janela. Nem se frequentava "a cidade" (como os habitantes dos arredores se referem a San Francisco), ou se preferia que lhe trouxessem tudo em casa.
Pelas imagens da televis�o, vemos que vivia em uma casa de rua, t�rrea, no estilo que os californianos chamam de "espanhol". St. Thomas Way, 95. Nenhuma ostenta��o, no padr�o do bairro. Sem muros altos, sem seguran�a.
Nas entrevistas, o pessoal da rua descreve um sujeito que gostava de pedalar, discreto. "N�s d�vamos a ele o espa�o de que ele precisava", diz um vizinho a uma TV local.
Sozinho em seu quarto, nos �ltimos minutos de domingo passado, Robin Williams corta o pulso esquerdo com um canivete, sulcos n�o muito fundos, calibrados para uma morte gradual.
Enquanto ainda tem for�as, ele enrola um cinto no pesco�o. A outra ponta, prende entre a porta entreaberta de um arm�rio e o batente. Encosta a porta com for�a, certifica-se de que o cinto n�o vai escapar. J� tinha trazido uma cadeira, o cinto � curto. Senta-se.
Do lado de fora, mesmo de madrugada, ouvem-se de muito longe os autom�veis na autoestrada 101. Um ru�do de fundo, incessante, confundindo-se com os sons do mar.
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