Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Imprensa impositiva
Bom dia, vamos abrir o computador e ver quais as aulinhas, as ordens e as listas que a nov�ssima m�dia on-line tem hoje para n�s.
Por que tal guerra est� acontecendo. Quinze motivos para voc� assistir tal s�rie. Nove raz�es para voc� detestar tal ator. Trinta e tr�s �lbuns que toda crian�a deve ouvir antes dos 13 anos. Saiba tudo sobre a Coreia do Norte. Saiba tudo sobre infla��o. Tudo o que voc� precisa saber sobre o ebola.
Todos os assuntos do planeta esquematicamente explic�veis, resum�veis. Tudo manique�sta e mastigado.
Os textos s�o curtos. Os v�deos (cada vez mais usados em substitui��o ao texto jornal�stico) n�o duram mais que dois minutos. Eles ensinam, decretam, sentenciam, pontificam, imp�em. O ponto de partida: existe uma vers�o definitiva para todo e qualquer fato. N�s temos essa vers�o. E vamos empurr�-la a voc�. Ou melhor, explic�-la, porque somos bonzinhos. Somos do norte da Calif�rnia ou do Brooklyn, jantamos �s 17h, gostamos de cervejas artesanais e hamb�rguer de tofu.
� essa l�gica didatista e autorit�ria —ainda que muitas vezes bem-intencionada— que detecto nos novos sites de not�cias que t�m causado barulho na internet. Isso, "sites de not�cias", vamos cham�-los assim. S�o dos EUA, o maior mercado mundial. J� influenciam publica��es mais tradicionais.
Refiro-me a sites como "BuzzFeed", "Vox", "FiveThirtyEight" e "The Intercept". Representam a primeira gera��o jornal�stica 100% nativa de internet. Usam recursos audiovisuais como elementos naturais da narrativa (e n�o acess�rios, como costuma fazer a m�dia tradicional). N�o s�o adapta��es de ve�culos impresso ou de TV. A web � seu ninho, seu habitat e seu caldo de cultura.
S�o, claro, diferentes entre si. O "BuzzFeed" � ultrapop e n�o liga muito para a exatid�o. O "Vox" se pretende mais s�rio. O "FiveThirtyEight" disseca o mundo em estat�sticas. "The Intercept" �, de todos, o mais "self-righteous", carrega nos ombros todas as certezas do mundo.
Mas todos trazem esse tra�o comum: julgam-se portadores de uma verdade, ou melhor, da verdade. E a trazem j� digerida para voc�, como um peda�o de carne dura amaciado por enzimas antes do consumo.
Nos prim�rdios da web, h� quase 20 anos, duas publica��es exclusivamente on-line logo se destacaram: as revistas virtuais "Slate" e "Salon", que existem at� hoje. Tinham um tom bem mais leve e mordaz que a chamada grande imprensa. Tamb�m n�o sofriam com restri��es de espa�o -na web, se um autor quiser escrever um texto de 1 bilh�o de par�grafos, ok.
A "Salon" teve r�pida repercuss�o mundial. Inclusive no Brasil, onde um grupo de jornalistas de primeiro time criou o site "no.com.br" (que eu nunca entendi se se chamava "No" ou "No Ponto"), de clara inspira��o "sal�nica".
A "Slate", n�o sei se algu�m se lembra, tinha um discurso agudo de alternativa � grande imprensa. O primeiro editor-chefe foi Michael Kingsley, muito conhecido nos EUA por um programa de debates na CNN, em que ele sempre defendia posi��es "de esquerda'' (ou do que passa por esquerda na pol�tica americana).
E a dona da "alternativa" e "esquerdista" Slate era... a Microsoft. Pois �, a cultura do Vale do Sil�cio, por mais trilhard�ria e dominante que tenha se tornado, originou-se no movimento hippie, e at� hoje vive desse verniz "outsider".
Mas "Slate" e "Salon", mesmo nascidas j� na web, ainda eram fortemente baseadas em texto. H� 15, 20 anos, v�deos n�o eram t�o comuns on-line. O YouTube nem existia. As conex�es eram lentas e a internet, um universo em inven��o.
O boom do jornalismo nativo de web est� acontecendo agora. Poderia ser um sopro de liberdade, uma viagem maravilhosa por novos conte�dos e novos formatos. Mas n�o � assim que o vejo.
Acabo me sentindo como Jaz Coleman, vocalista da banda inglesa Killing Joke. Quando o britpop de Blur e Oasis tomou conta da Inglaterra, Coleman exilou-se no interior da Nova Zel�ndia. Queria ficar o mais distante poss�vel da m�sica "regressiva'' que dominava as paradas brit�nicas.
� esse car�ter regressivo que tanto me incomoda na nov�ssima imprensa on-line. Ou ela � rasa, ou � autoimportante. � sempre impositiva, infantilizada. E faz listas, listas, listas. S�o quantas horas de voo para a Nova Zel�ndia?
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