Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Motivos para ostentar
"No flow, por onde a gente passa � show / Fechou, e olha onde a gente chegou / Eu sou... pa�s do futebol, neg��� / At� gringo sambou, tocou Neymar � gol!"
("Pa�s do Futebol", MC Guim�)
N�o falta mais nada: agora, o Brasil todo conhece o funk ostenta��o. A avassaladora "Pa�s do Futebol", do MC Guim�, um dos principais nomes do g�nero, � o tema de abertura de "Gera��o Brasil", a novela da TV Globo que estreou nesta semana.
Com um refr�o matador, cheio de alitera��es e rimas internas, "Pa�s do Futebol" marca um novo patamar de qualidade: arranjos com mais varia��es r�tmicas, vocal mais afinado, e a can��o, como um todo, muito mais bem amarrada do que outras do mesmo cantor. O videoclipe, esquema classe A, tem participa��o do rapper Emicida e de Neymar.
O funk ostenta��o � o filho paulistano do funk carioca, depois de uma escala na Baixada Santista. Fala de roupas de marca, carros, motos, bebidas caras, mulheres e dinheiro. O consumismo � seu "leitmotiv".
At� sua chegada, em 2007/2008, a periferia paulistana vivia sob o dom�nio do rap, consolidado desde "Sobrevivendo no Inferno" (1997), o �lbum fundamental dos Racionais MC's.
Mas os Racionais n�o deixaram herdeiros. Nomes que sugiram na esteira de seu sucesso, como Face da Morte, Ndee Naldinho, Fac��o Central e Dexter, nunca passaram de p�lidas imita��es.
Foi esse cen�rio cansado que os funkeiros ostentadores vieram perturbar. Usando com for�a as redes sociais, fascinados por tecnologia, trouxeram ao funk a cultura dos videoclipes.
Pelos v�deos, fen�menos no YouTube, eles ficam conhecidos, e come�aram a ser chamados para cinco ou seis shows por noite, cobrando cada vez mais.
Mas, fora da periferia, o g�nero seguia desconhecido. S� ganhou visibilidade por causa de um crime. Um de seus principais artistas, o MC Daleste, foi assassinado a tiros durante um show em Campinas, em julho de 2013. Tinha 20 anos.
Depois da morte, descobriu-se que os clipes de Daleste atra�am dezenas de milh�es de visualiza��es na web. Que ele fazia shows por todo o Brasil, era �dolo de uma juventude invis�vel para a "velha m�dia".
Alguns meses antes do crime, talvez um ano, eu tinha visto uma refer�ncia ao funk ostenta��o na conta do rapper Emicida no Twitter. Era uma cr�tica. Emicida dizia algo como "melhor nem falar disso a�", respondendo a uma pessoa que lhe enviara um link para um clipe de funk ostenta��o. N�o eram essas as palavras literais, mas era essa a ideia.
Tamb�m n�o sei se ele se referia �quele clipe espec�fico ou a toda a cena. O tom me pareceu negativo.
Cliquei no link gongado por Emicida. Lembro que o cantor era branco, magrinho, estava sem camisa, e o v�deo era gravado em um motel, com mulheres seminuas e champanhe (muitos clipes de ostenta��o s�o assim).
Entendi r�pido por que Emicida, o rapper "consciente", "s�rio", rei dos Sescs, formatado para a classe m�dia bem-pensante, n�o curtiu aqueles maloqueiros que dependiam exclusivamente dos f�s, louvavam grifes e esbanjavam grana. N�o combinava.
Agora, em maio de 2014, quem est� no clipe de "Pa�s do Futebol", abra�ado ao MC Guim�, cantando junto? Emicida.
O clipe �, tamb�m, uma a��o esperta de "branded content", conte�do patrocinado, de uma marca de energ�tico, a mesma que j� aparecia em "Zica, Vai L�", clipe anterior de Emicida (tamb�m com Neymar).
Em "Pa�s do Futebol", Emicida n�o faz propaganda direta do produto. J� MC Guim� aparece bebendo uma latinha ao lado do jogador. E este usa uma camisa e uma munhequeira com o logotipo da bebida.
A trajet�ria de Guim� e outros artistas � muito bem descrita no document�rio "Funk Ostenta��o – O Filme", dispon�vel na web. Eram rejeitados pelas pr�prias marcas que citavam nas letras. Queriam fazer clipes, mas nenhuma produtora topava, para n�o se associar a tais elementos.
Hoje est�o na novela, t�m patroc�nio, s�o apoiados pelo rapper que nem parecia ser t�o f�. T�m muito a ostentar.
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