Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
2014 j� era
Que inferno � o futuro. Mas Mae Holland n�o se d� conta disso, pelo contr�rio. "Meu Deus, � o para�so", diz, ao conhecer o campus de seu novo emprego, um gigante da internet chamado O C�rculo. Pr�dios de vidro e a�o, p�s-direitos infinitos, quadras de v�rios esportes, refeit�rios com chefs internacionais, e slogans por toda a parte. "Sonhe". "Participe". "Respire".
Mae est� a ponto de mergulhar em um pesadelo totalit�rio, mas n�o se pode culp�-la por n�o perceber. Ela vem de um trabalho terr�vel, na companhia de g�s e luz da cidadezinha onde vivia com os pais. Conseguiu entrar no C�rculo por interm�dio de um amiga de faculdade, a glamourosa Annie, alta dirigente da Gangue dos 40, os executivos mais influentes da organiza��o.
Gangue dos 40 � uma clara alus�o � Camarilha dos Quatro ("Gang of Four"), o grupo antirreformista comandado pela vi�va de Mao Tse-tung na China dos anos 70. N�o ser� a primeira nem a �ltima refer�ncia a regimes autorit�rios em "The Circle", novo romance do americano Dave Eggers, lan�ado no fim de 2013 nos EUA. Mae � sua protagonista.
O livro se passa em um futuro pr�ximo. Em que Santiago Calatrava ainda faz projetos (no caso, uma fonte no tal campus), mas em que Google e Facebook foram tornados obsoletos pelo C�rculo.
Isso porque o C�rculo, comandado por executivos conhecidos como Os Tr�s S�bios, criou um sistema universal de uso da web, unificando todas as contas de e-mail, perfis de redes sociais, transa��es banc�rias e de com�rcio. Controle absoluto.
Dave Eggers, 43, vive na regi�o de San Francisco. L� montou um pequeno imp�rio "indie", que inclui a editora McSweeney's e a revista liter�ria "Believer". Como apontaram alguns resenhistas estrangeiros, faz parte da �ltima gera��o de autores a firmar reputa��o nos meios de papel, antes de a internet crescer tanto. N�o surpreende que venha de algu�m como ele — com esse hist�rico pessoal, e vizinho do vale do Sil�cio— uma vis�o t�o �cida das contradi��es da rede.
Mae come�a no atendimento a anunciantes. Sua fama de eficiente (e tamb�m de amiga de Annie) logo se espalha. At� que um dia � chamada para uma conversa. Seus superiores querem muito mais.
Mae, por que voc� n�o participa de nossas redes sociais internas? N�o gosta de caiaques? Por que n�o faz parte das nossas comunidades de interessados no esporte? E na nossa rede de mensagens curtas, por que n�o escreve? O que voc� fez no fim de semana? Nenhuma foto, nenhum v�deo? Mae, voc� tem de participar, compartilhar, dividir, comentar!
Nasce ent�o uma nova Mae Holland, 100% dedicada ao C�rculo. Mal dorme. Muda-se para o campus. N�o tem tempo de ir para casa.
Muito comparado a "1984", "The Circle" tem uma diferen�a fundamental: o sistema opressor imaginado por George Orwell vem do Partido, de um governo totalit�rio; j� o Circulo � uma organiza��o supostamente interessada em fazer o bem.
Por que n�o instalar em todos os pontos do planeta c�meras invis�veis de alt�ssima defini��o? Se todo mundo souber que est� sendo vigiado o tempo todo, n�o haver� mais crimes! E por que n�o implantar chips em todos os rec�m-nascidos, para que se saiba a localiza��o de todas as crian�as do planeta, inibindo a a��o de ped�filos?
Mae se entusiasma, ganha destaque, acaba se aproximando dos S�bios. Passa a portar uma das pequenas c�meras. Transmite 100% de sua vida, em tempo real. Supera a amiga Annie em prest�gio.
Duas vozes tentam dissuadir Mae. Uma � Mercer Medeiros, um ex-namorado que nunca saiu da cidadezinha onde cresceram. N�o quer saber de vida on-line e chama de "seita" o Circulo e seus adeptos (quase 100% da humanidade). A outra vem do misterioso Kalden, que aparece �s vezes no campus, diz que trabalha no Circulo, transa com Mae, e tenta convence-la a interromper esse "pesadelo totalit�rio".
Nessas duas "vozes da raz�o" me parece estar a principal defici�ncia do romance. Falam de maneira condescendente, como se lessem um manifesto, parecem bonecos de ventr�loquo do autor. Tamb�m h� v�rias situa��es implaus�veis e personagens caricatos.
Mas, a meu ver, "The Circle" se sustenta pelo forte vi�s antiautorit�rio, e por uma vis�o cr�tica, mas n�o passadista, do papel da internet. O final � perturbador. Que saia logo no Brasil.
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