Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Paz, amor e sil�cio
Todo mundo pelad�o, rock nas caixas, cilindros de g�s hilariante, pav�es passeando seus rabos coloridos pelo jardim. "Foi nessas festas que descobri quem era e quem n�o era circuncidado no Vale."
O "vale" � o do Sil�cio, que na �poca nem se chamava assim, era o vale de Santa Clara, perto da Universidade Stanford. E quem descreve a festan�a � a mulher de um dos principais pesquisadores da ci�ncia da computa��o que atuavam por l�.
Estamos nos anos 60, norte da Calif�rnia, gera��o p�s-beatnik, contracultura, pacifismo e curti��o hippie no auge. Tamb�m muito ativa, mas bem menos vis�vel, � a comunidade cient�fica que gestava a ideia de um computador pessoal (PC) e, em �ltima an�lise, da internet como hoje a conhecemos.
A tese do autor americano John Markoff, rep�rter de tecnologia do "New York Times", � que hippies e nerds foram muito mais pr�ximos do que nosso senso comum imagina. Que o pr�prio conceito de computa��o pessoal, e do computador como ferramenta de liberta��o, deriva diretamente da contracultura e deseu desprezo pelo poder centralizado.
Markoff desenvolve o tema no livro "What the Dormouse Said". O t�tulo cita o �ltimo verso da can��o "White Rabbit", da banda californiana Jefferson Airplane, que por sua vez faz refer�ncia a "Alice no Pa�s das Maravilhas".
O her�i de Markoff � quase um desconhecido: Douglas Engelbart, morto em julho passado, aos 88 anos. Nos anos 60 e 70, Engelbart chefiava, em Stanford, o Laborat�rio de Amplia��o do Intelecto Humano.
O cientista via o computador como um instrumento individual, que elevaria o homem a novos horizontes. Assim como os hippies usavam o LSD para atingir n�veis de consci�ncia antes inalcan��veis.
Um nome-chave da contracultura frequentava o grupo de Engelbart (n�o sabia nada de computa��o, mas tinha curiosidade). Era Stewart Brand, autor da cole��o de livros "The Whole Earth Catalog", o que de mais pr�ximo existe de uma b�blia hippie.
Um dia Brand levou o guru do LSD Ken Kesey para conhecer o trabalho de Douglas Engelbart. Kesey n�o teve d�vida: "Depois do �cido, o que est� vindo � isso a�".
Mas as teses de Engelbart, sobre o computador como um "ampliador" do intelecto, n�o eram dominantes. Acreditava-se mais no computador como um "substituto" do c�rebro. Era isso que estudava um outro laborat�rio de Stanford, o de Intelig�ncia Artificial, tamb�m retratado no livro.
Os grupos de amplia��o de intelecto e o de intelig�ncia artificial n�o colaboravam entre si e ficavam fisicamente distantes. Mas os ambientes eram parecidos. Em meio ao clima de cal�as de tergal e camisas brancas de Stanford, eles preferiam chinelos, cal�as rasgadas, viviam em comunidades de bichos-grilos. Eram pacifistas, nudistas, tomavam LSD e fumavam maconha (�s vezes no trabalho).
Uma ironia: os doid�es eram pesadamente financiados pelo Pent�gono. Para cientistas, uma das maneiras permitidas por lei de fugir do alistamento ao Vietn� era trabalhar com pesquisas que poderiam ter uso militar.
At� que os anos 70 chegaram � metade, a guerra acabou e os dois laborat�rios de Stanford empacaram em muros conceituais. N�o conseguiram transformar suas ideias em pr�tica.
Esse papel coube a uma nova gera��o de nerds, surgida nessa era p�s-Vietn�, no mesmo vale de Santa Clara: os "hobistas", que montavam computadores por divers�o.
N�o tinham amarras filos�ficas e acad�micas. Steve Jobs e Steve Wozniak, futuros fundadores da Apple, estavam nessa. Eles frequentavam clubes de computa��o criados por egressos dos laborat�rios de Stanford. A partir da�, sabemos o que aconteceu.
Editado em 2005, "What the Dormouse Said" � v�tima da velocidade estonteante com que tudo acontece na internet. A palavra "Google", por exemplo, nem aparece. E o grande vil�o � Bill Gates. O dono da Microsoft surge como o �nico defensor, entre os pioneiros do PC, de que programas de computador s�o algo pelo qual se deve pagar.
Hoje, ante a presen�a tentacular do Google, Gates virou quase um bilion�rio bonzinho, meio "indie", doando milh�es para a cura de doen�as ex�ticas e criando produtos "alternativos", como o toca-MP3 Zune e o mecanismo de buscas Bing.
Que o Google tenha um slogan de clara inspira��o hippie --"don't be evil", n�o seja mau-- � talvez tema para um novo livro. A influ�ncia dos anos 60 continua. Falta definir o que � ser mau.
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