Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Algo de podre
Em uma sequ�ncia especialmente nauseante, a chefe decide que um de seus colaboradores mais �ntegros precisa ser enquadrado. Andava meio rebelde, contestava as linhas de comando. Seria bom tomar um susto.
"O que temos contra ele?", pergunta a mulher ao marqueteiro de quem n�o desgruda um segundo.
"Quase nada", diz o estrategista. S� uma fofoca: que, apesar de pol�tico verde, ele coleciona carros antigos, do tipo de que bebe dez vezes mais gasolina que os atuais. At� importou um Cadillac anos 50 de Cuba, onde as banheiras ainda rodam.
"Vaze isso para a imprensa", ordena a chefe.
As consequ�ncias s�o devastadoras. O fato de a not�cia n�o ser exatamente nova, de j� ter sa�do antes, pouco importa. O colaborador, homem reto, tem a vida pessoal e profissional destru�da pelo pecadilho do Cadillac. E por obra da chefe a quem servia t�o fielmente.
A chefe � Birgitte Nyborg, primeira-ministra fict�cia da Dinamarca, personagem central de uma s�rie de TV fascinante, chamada "Borgen". O subordinado que ela apunhalou � um de seus ministros, Amir Dwian, do Partido Verde.
Em 2012, "Borgen", produ��o da emissora dinamarquesa DR, fez muito sucesso na BBC de Londres. Mesmo com legendas, coisa a que o p�blico de fala inglesa est� pouco acostumado.
Tamb�m chamou a aten��o da cr�tica americana, quando foi exibida em canais alternativos por l�. Chegou a passar no Brasil, no cabo, mas quase ningu�m percebeu.
A boa not�cia � que as duas primeiras temporadas sa�ram em DVD nos EUA. Ficou f�cil achar na internet.
"Borgen" gira em torno de Birgitte Nyborg, interpretada pela magn�tica Sidse Babett Knudsen, 45, cujo sorriso caloroso � capaz de derreter as mais renitentes geleiras.
Nyborg comanda um partido pequeno, o Moderado, que apoia causas fofas e politicamente corretas: condenam leis duras de imigra��o, querem a sa�de cada vez mais p�blica, defendem o estado de bem-estar social t�pico da Escandin�via, pretendem preservar a natureza.
A trama come�a em uma crise do regime parlamentar. Nenhum dos dois maiores partidos, o Trabalhista e o Conservador, consegue formar um gabinete. Entregar o posto de primeira-ministra � novata Birgitte Nyborg, l�der dos moderados, surge como solu��o conciliadora.
Se "Borgen" fosse uma s�rie tradicional, mais pr�xima do padr�o americano, mostraria o embate da militante �ntegra conta o p�ntano da pol�tica tradicional.
Mas n�o � o que se v�. Um pouco desajeitada no come�o, Birgitte rapidamente pega o jeito do cargo e faz aquilo que pol�ticos fazem: trai companheiros, esquece quase todos os princ�pios, guia-se pela obsess�o de manter o poder a qualquer custo. Tem seus dramas de consci�ncia, mas s�o poucos e passam logo.
A seu lado, insepar�vel, o marqueteiro Kasper Juul. Figura misteriosa, ele � ex-namorado da principal apresentadora do maior canal da Dinamarca, a jovem, combativa e estonteante Katrine F�nsmark. "Ex" talvez n�o seja a melhor defini��o, j� que Kasper e Katrine vivem uma rela��o de idas e vindas.
Birgitte, a primeira-ministra, tem marido e dois filhos (um menino de oito anos e uma menina de 13). O marido � um executivo importante, que, muito escandinavamente, vinha passando os �ltimos anos em casa, a cuidar das crian�as, para que a mulher se dedicasse � pol�tica. N�o demora muito para tudo isso ruir. A vida pessoal de Birgitte se transforma em pesadelo.
O marqueteiro Kasper --que talvez nem se chame Kasper-- esconde o passado "white trash" e um hist�rico de abuso dom�stico quando crian�a. Foi justamente por ser t�o envolto em segredos que a deusa Katrine F�nsmark o abandonou pela primeira vez.
Katrine, mesmo bela e famosa, vive s�, em um apartamento bagun�ado de estudante. De vez em quando, se entrega ao primeiro desclassificado que v� pela frente. De vez em quando volta para Kasper.
Birgitte, Kasper e Katrine s�o os tr�s pilares que sustentam a narrativa densa e cadenciada de "Borgen".
A luz � sempre angulosa (estamos perto do polo Norte, afinal). Vive-se de modo impens�vel para brasileiros --a primeira-ministra continua morando em sua casa de classe m�dia, reuni�es ministeriais s� t�m 16 pessoas (incluindo assessores), os pol�ticos n�o roubam e muitos deputados v�o trabalhar de bicicleta. Os di�logos fluem com naturalidade, sem a concis�o for�ada de tantas s�ries americanas.
"Borgen", e a produ��o dinamarquesa em geral, n�o s�o televis�o como a conhecemos. S�o uma outra TV. Preste aten��o.
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