Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
O papel do rock
�s 11h30, o primeiro baseado, "do tamanho de uma pequena canoa". Depois, uma ou duas cervejas no almo�o. E, a partir das 18h, as apostas estavam abertas.
Esta era a rotina -pelo menos nos dias calmos- na Reda��o de uma das principais publica��es de m�sica do mundo: o seman�rio ingl�s "New Musical Express". Isso nos anos 70, para muitos o auge do "NME".
Bastidores cheios de hist�rias saborosas, al�m de uma an�lise s�lida da ind�stria da m�sica e do jornalismo musical no s�culo 20, comp�em um dos melhores livros que li neste ano (com certeza o mais cativante): "The History of the NME", de Pat Long.
"New Musical Express" � sin�nimo de paix�o e pol�mica. Foi criado em Londres em 1946, como uma publica��o voltada para m�sicos. Com o surgimento do rock and roll, voltou-se aos f�s adolescentes do novo ritmo.
Mas, a partir dos anos 60, os Beatles sofisticaram letras e arranjos. Bob Dylan mesclava guitarras, folk e literatura. De uma hora para outra, era preciso conhecer Rimbaud e hindu�smo para falar de rock.
Assim, na virada das d�cadas 60/70, a dire��o do "NME" avaliou que era o momento de pisar fundo em uma vis�o mais intelectualizada --mas sem pompa-- da m�sica jovem. Em 1972, o seman�rio foi em busca de g�s e sangue novo, trazendo jovens jornalistas de fanzines e da imprensa underground.
Um trio de guerrilheiros literatos ocupava a linha de frente, nomes que at� hoje provocam rever�ncia em certos c�rculos: Charles Shaar Murray, Ian MacDonald e o not�rio Nick Kent.
Este �ltimo, junkie autodestrutivo, rock and roller frustrado que trocou as guitarras pelos livros e a m�quina de escrever, foi s�mbolo de uma �poca. A do estrelato por proximidade, do jornalista t�o louco e estiloso quanto os roqueiros sobre quem escrevia.
Mag�rrimo, sem r�deas ("eu me comportava como Oscar Wilde"), Kent n�o se encaixava nas restri��es de um trabalho corporativo. De todos os que emigraram da imprensa alternativa para o "NME", ele foi o �nico a recusar emprego fixo: atuou sempre como freelancer.
Se seus textos brilhantes chegariam ou n�o a tempo, eis a incerteza que torturava os editores.
Charles Shaar Murray, hippie radical, fez nome com cr�ticas destruidoras. Quando o m�sico e produtor Lee Hazlewood lan�ou o �lbum "Poet, Fool or Bum" ("poeta, tolo ou vagabundo"), a resenha de Murray resumiu-se a uma palavra: "Vagabundo".
MacDonald, mesmo em um ambiente extravagante como a Reda��o do "NME", se destacava pelo comportamento an�rquico. Sua especialidade, como editor-assistente, era escolher as fotos mais rid�culas de celebridades, sapecando legendas maldosas.
Autor do estudo mais completo j� feito sobre os Beatles, o livro "Revolution in the Head", e obcecado pelo compositor cl�ssico Dmitri Shostakovich, Ian MacDonald se suicidou em 2003. Os obitu�rios destacavam a inexist�ncia de relacionamentos amorosos em 54 anos de vida.
MacDonald, Murray e Kent marcaram �poca, mas j� na segunda metade dos anos 70 seu estrelato seria abalado. Era o terremoto punk. Os tr�s, hippies de 20 e poucos anos, de repente pareciam velhos e desatualizados. Desesperadamente "uncool", pecado mortal no "NME".
Urgente: procurar gente ainda mais jovem, em sintonia com a nova f�ria do rock. Publicou-se um an�ncio escrito pelo pr�prio Murray, buscando "hip young gunslingers" (numa tradu��o n�o muito inspirada, "pistoleiros jovens e descolados").
Entre 1.200 candidatos, dois foram escolhidos: Tony Parsons e Julie Burchill. Parsons tinha 22 anos. A idade de Julie era um acinte: 17.
Uma vez instalados na Reda��o, transformaram em um inferno a vida da gera��o anterior. Vizinhos de mesa, Julie e Tony cercaram seu espa�o com arame e cacos de vidro. Na parede, picharam: "Morte aos hippies".
Um dia, Murray teve um ataque de nervos. Tentava abandonar a depend�ncia de anfetaminas e n�o estava bem. Parsons devolveu: "Vov�, se voc� n�o consegue lidar com suas drogas, n�o venha descontar na gente". Murray, o "vov�", tinha 25 anos.
Destaquei o per�odo que mais me interessa, mas o livro mostra que a hist�ria do "NME" prosseguiu e prossegue. Criando e destruindo hypes em velocidade supers�nica, pautando a imprensa musical de todos os continentes. Sobrevivendo no papel em meio ao bombardeio on-line.
"The History of the NME". Nerds de todo o mundo, uni-vos. Este livro � para voc�s.
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