Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Jornalismo patrocinado
TV ligada, concentra��o, vai come�ar mais um "Horizons", programa de prest�gio da BBC internacional. � uma s�rie sobre novas fronteiras no mundo dos neg�cios. Quando acaba o primeiro bloco, entra a propaganda de uma multinacional de qu�mica. � um comercial diferente. Longo, dois minutos, com a mesma linguagem visual e o mesmo tema do programa. � como se o "Horizons" e a propaganda formassem um todo sem costuras.
Vejo uma s�rie de reportagens da revista "Vice", publica��o de vanguarda que tamb�m tem bra�os muito fortes na internet e um programa no canal a cabo HBO. O tema s�o os trailers que vendem comida de rua, os chamados "food trucks".
Os menus variam, mas todas as hist�rias t�m um la�o comum: v�rias men��es a uma conhecida marca de maionese. N�o � o "merchandising" da fic��o, que vemos em novelas, por exemplo. As alus�es � maionese est�o incorporadas � narrativa jornal�stica.
Agora, internet. Olho a homepage do site "BuzzFeed", merecidamente reconhecido como b�blia dos modernos. Em meio �s not�cias curiosas e boas sacadas de pauta de sempre, uma reportagem parece deslocada. Ela faz muitos elogios a um antigo servi�o de mensagens instant�neas, que j� foi dominante mas hoje anda esquecido. N�o era um an�ncio --era uma reportagem entremeada de propaganda.
Os tr�s exemplos fazem parte de uma nova tend�ncia, vamos chamar assim, em alguns meios de comunica��o. � o chamado "branded content". Conte�do patrocinado, na falta de tradu��o melhor. No mundo estritamente publicit�rio, n�o chega a ser uma supernovidade. O dado novo � que, agora, est� chegando ao jornalismo tradicional.
E que chegada! Esta semana, a ag�ncia Bloomberg anunciou que ningu�m menos que o "New York Times" estuda aderir ao modelo.
O sacrossanto "NYT" adotar o "jornalismo patrocinado" equivale ao ateu militante Richard Dawkins pedir perd�o ao papa e receber a h�stia das m�os do pr�prio Francisco; ou Fidel Castro, aos prantos, depositar um ramalhete de cravos brancos nos t�mulos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
� uma atitude extrema: o jornal mais prestigioso do mundo busca novos meios de viabilizar sua opera��o on-line.
Como se sabe, a migra��o de leitores do papel para a web foi brutal, principalmente nos pa�ses desenvolvidos. Mas a essa fuga n�o se seguiu um grande aumento de publicidade na internet. Ou seja: os leitores zarparam em massa para a rede; os anunciantes, bem menos.
Para complicar, a economia da rede segue um modelo cada vez mais concentrador. Segundo um livro rec�m-lan�ado, "Who Owns the Future" ("A Quem Pertence o Futuro"), do vision�rio Jaron Lanier, o discurso democr�tico e libert�rio dos gurus da internet � s� isso: discurso.
Segundo a an�lise prodigiosa de Lanier, a web � hoje terreno de uns poucos conglomerados, como Google e Facebook, que concentram ferozmente o bolo publicit�rio on-line. Donos de servidores computacionais poderosos, que s� megacorpora��es s�o capazes de manter, os gigantes da web atraem anunciantes porque sabem tudo sobre seus usu�rios. Os an�ncios s�o perfeitamente direcionados. Sites "generalistas", como o do venerando "New York Times", ficam em m� situa��o.
Assim, produtores de jornalismo de qualidade vivem um pesadelo, porque l� atr�s, quando a internet foi concebida, a palavra de ordem era que a "informa��o deve ser gr�tis" (ou livre, "free"). Resta buscar receita na publicidade. Mas os anunciantes s� querem saber dos j� citados Google e Facebook.
O "Times" implantou h� algum tempo, com relativo sucesso, o chamado "modelo poroso", em que, a partir de um certo n�mero de mat�rias, come�a a cobrar do usu�rio. Trouxe al�vio, mas n�o resolveu. Fala agora em aceitar propaganda incorporada a algumas reportagens.
� que o j� fazem, entre outros, a BBC internacional (a brit�nica n�o tem comerciais), a modernex revista "Vice" e o mais modernex ainda "BuzzFeed". Ironicamente, foi o sucesso do "BuzzFeed" que inspirou o "New York Times" a entrar nessa (quem diria: um site t�o jovem apontando o caminho para uma institui��o da "velha m�dia").
A separa��o entre interesses comerciais e princ�pios editoriais � a �ltima fronteira do jornalismo de qualidade. N�o se sabe o que existe do outro lado. Talvez sejam tempos novos e radiosos. Talvez seja um abismo.
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