Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
A vida dos outros
D. se mandou da Calif�rnia por amor. Despencou em "Caipir�polis", depois viveu numa cidade feia de praia, hoje mora em algum ponto pr�spero do interior paulista, onde encontra at� comida coreana.
G., irland�s, vive no Recife. Adepto do realismo fant�stico, escreve minicontos em que expressa seu desgosto diante da realidade local. "Como o ponto decimal arruinou o Brasil" � sua obra mais recente.
C. tamb�m mora numa capital, Florian�polis. Algumas vezes, ele reclama do Brasil. Em outras, tamb�m. Californiano, surfista, ele se expressa com ambiguidade. Seus textos s�o amargurados; suas fotos, s� alegria: um mundo de camisas abertas no peito e �ndices muito baixos de gordura corporal.
M. est� no interior de Minas. Faz parte de uma onda muito recente, muito espec�fica e muito interessante de imigrantes: a das americanas que se casaram com mineiros na regi�o de Boston, e agora acompanham seus maridos que decidiram voltar ao Brasil.
Sigo as vidas de D., G., C. e M. Os quatro t�m blogs. Seus di�rios on-line, claro, s�o p�blicos. Mas, talvez por escreverem em ingl�s, percebe-se que os autores n�o imaginam ser lidos no Brasil. Eles se dirigem aos amigos e parentes "back home", desabafo e desilus�o s�o os sentimentos mais comuns.
De todos, D. � quem mais pratica a toler�ncia e, por que n�o dizer, o relativismo cultural. Formada em lingu�stica pela excelente Universidade da Calif�rnia em Berkeley, ela vem do ambiente onde o politicamente correto foi inventado. Ainda bem. S� assim para sobreviver ao choque.
D. ensinava ingl�s em San Francisco quando conheceu um aluno brasileiro, estudante de medicina no interior de S�o Paulo. O curso de ingl�s era curto, o namorado logo voltou ao Brasil. Pouco depois, ela veio atr�s. S� que a cidade onde o rapaz fazia faculdade era um pouco menos que nada. D. apelidou o lugar, carinhosamente, de "Caipir�polis".
Depois de formado, o garot�o arrumou emprego no litoral. D. postou algumas fotos do novo apartamento, que dava vista para uma parede. Os vizinhos tinham o curioso h�bito de atirar lixo pela janela.
Agora, ele faz resid�ncia m�dica em uma cidade do interior mais rica e menos morta, que D. chama de Springfieldee (brincadeira com a fict�cia Springfield, dos Simpsons). A californiana tolerante, finalmente, se sente mais em casa.
O mesmo n�o se pode dizer de G., o irland�s do Recife. Seus posts semificcionais, de humor �cido, mostram que ele se sente em um pesadelo sem fim.
Na apresenta��o do blog, de 2012, G. cospe fogo: "Vivo no Recife h� quase dois anos, e essa cidade me enlouquece. � suja. Sinto que, pelo fato de nada funcionar, me tornei uma pessoa mais rude (...) Tento descrever como � morar numa cidade em que nada faz muito sentido".
Tamb�m n�o faz muito sentido o blog de C., o surfista californiano de Floripa. Ele �, digamos, o menos intelectual da turma. Empres�rio, veio ao pa�s para abrir restaurantes. "Viver no Brasil pode levar qualquer homem normal � insanidade", decreta.
Diatribes contra a burocracia e a corrup��o brasileiras s�o os temas dominantes. O tom em geral � t�o amargo que eu nem prestava aten��o nas fotos. Imaginava serem imagens gen�ricas do Google.
At� que notei um sujeito atl�tico e sempre sorridente em todas elas. Era C.! Surfando, curtindo em um iate, em festas maravilhosas, depois em festas mais maravilhosas ainda, com mulheres espetaculares, depois com mulheres mais espetaculares ainda, na praia com uma namorada de interromper o tr�fego a�reo... E ele ainda reclama.
Bem menos glamourosa � a vida de M., a americana que acompanhou o marido brasileiro na volta ao interior de Minas. Com a �tica protestante de trabalho em n�vel m�ximo, ela se atribuiu como miss�o consertar o s�tio abandonado da fam�lia.
O fato de os pr�prios sogros costumarem jogar garrafas, latas e sapatos velhos nos jardins que ela havia acabado de arrumar n�o ajudava muito, mas M. se manteve firme. At� passou a vender os produtos do s�tio na feira livre, depois de negociar o ponto com um tal de Miro.
Desculpe n�o entregar os endere�os dos blogs. Como disse, sinto que os autores escrevem s� para os mais chegados. Mas, com as dicas deste texto, � poss�vel ach�-los na web. Os mais interessados chegar�o l�. Confio nessa sele��o natural.
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