Graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, tem especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT.
Onde nem o papa tem vez
Existe uma igreja cat�lica onde os fi�is, se � que existem, n�o fazem a menor ideia de que um novo papa foi eleito. Talvez n�o saibam nem que o antecessor renunciou, ou mesmo qual era o nome do papa anterior.
Essa catedral do absurdo fica na Coreia do Norte. Mais exatamente na capital, Pyongyang. Foi constru�da em 1988, durante um suposto relaxamento da repress�o antirreligiosa do regime stalinista.
A igreja de Changchun n�o tem bispo, padre, nada. Os poucos servi�os religiosos s�o tocados pelos pr�prios frequentadores. Uma estrangeira que sempre participa estima que s� metade da congrega��o seja de fi�is leg�timos. O resto s�o paus mandados do servi�o de espionagem.
Esses dados sobre religi�o no regime mais fechado do mundo s�o s� alguns entre tantos de um livro fascinante: "Only Beautiful, Please: A British Diplomat in North Korea" ("S� Bonitas, Por Favor: Um Diplomata Brit�nico na Coreia do Norte"). O autor � John Everard, embaixador da Gr�-Bretanha de 2006 a 2008.
O t�tulo estranho se refere a um epis�dio em que um policial flagrou o diplomata tirando fotos em lugar n�o autorizado. Louco para exibir o pouco de ingl�s que falava, o tira ordenou: "Only beautiful!" (era para fotografar s� as coisas bonitas).
A Coreia do Norte que emerge do livro n�o � o Estado policial sombrio de que tanto ouvimos falar. � um pa�s de fei��es humanas, que preza as rela��es familiares, procura se divertir dentro dos parcos meios de que disp�e e, principalmente, acorda aos poucos de um longo torpor, percebendo que n�o � o para�so que a propaganda totalit�ria vende � popula��o h� mais de 50 anos.
Everard faz compras em grandes mercados de rua. Anda de bicicleta para todo lado (�s vezes at� escapa --diz ele que inadvertidamente-- da �rea permitida para estrangeiros). Vai a restaurantes frequentados pela popula��o comum. At� pega metr�, coisa que quase nenhum estrangeiro faz.
Mais do que um regime que subjuga a popula��o com punhos de a�o, Everard --que deixou a Coreia do Norte quando Kim Jong-il, pai do atual ditador, ainda estava no poder--, descreve um sistema de repress�o cada vez mais ineficiente e corrupto.
Para o ingl�s, o ponto de virada se deu na grande epidemia de fome de 1994 a 1998, quando cerca de 2 milh�es de pessoas morreram, 10% da popula��o.
Sem alternativa, Kim Jong-il foi obrigado a abrir o pa�s para a ONU e ONGs de apoio humanit�rio. Os norte-coreanos passaram a ter contato com estrangeiros --em sua maioria, gente educada e saud�vel, que ainda por cima lhes trazia comida e atendimento m�dico.
Mas como? A Coreia do Norte n�o era a mais pr�spera das na��es, em meio a um mundo corrupto e miser�vel? E os estrangeiros n�o eram todos agentes do imperialismo dispostos a tudo para liquidar os norte-coreanos?
Quando, a duras penas, a epidemia de fome foi superada, Kim Jong-il expulsou a grande maioria das ONGs, mas a� j� era tarde -a semente da desconfian�a j� tinha sido plantada.
A tecnologia tamb�m passou a conspirar contra o regime. Pela fronteira com a China, cada vez mais porosa (pelo menos para os padr�es de um regime totalit�rio), come�aram a entrar no pa�s DVDs com novelas sul-coreanas.
Os coreanos do norte viram ent�o que seus vizinhos n�o eram um bando de mendigos ultraviolentos, nem Seul era um amontoado de favelas patrulhadas por s�dicos soldados americanos (era isso o que dizia a propaganda oficial).
Perceberam que a Coreia do Sul � um pa�s infinitamente mais rico e livre, embora de costumes liberais em excesso para o gosto norte-coreano.
Talvez a an�lise de Everard seja otimista demais, em especial depois de o regime do novo ditador, Kim Jong-un, ter feito novos testes nucleares e subido o tom de belicosidade. Pode ter acontecido um embrutecimento que o brit�nico n�o conseguiu prever. Ainda assim, seu livro tem muitos m�ritos.
Fica tamb�m um recado para as editoras do Brasil: fa�am contato com os diplomatas brasileiros que servem em Pyongyang. Com a tradi��o liter�ria do Itamaraty (Jo�o Cabral, Rosa, Vinicius etc.), n�o � dif�cil que se produza um retrato ainda mais interessante que o de John Everard.
A ginga brasileira explica a dinastia totalit�ria dos Kim. Essa, eu pagaria para ler.
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