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�lvaro pereira j�nior

 

27/10/2012 - 03h00

Voto de sil�ncio

Em harmonia com o clima desta v�spera de elei��o municipal em S�o Paulo, come�o a coluna falando de um vel�rio.

Mais precisamente, um vel�rio-show, o de Michael Jackson, Los Angeles, 2009. Na cerim�nia, em um gin�sio de basquete para 20 mil pessoas, Berry Gordy, fundador da Motown, relembrou o primeiro teste de Michael na gravadora. O artista escolheu uma can��o de dor: "Who's Loving You", de Smokey Robinson.

Gordy, malandro velho de Detroit, descreveu em seu discurso: "Ele cantou com a tristeza e a paix�o de um homem que tinha vivido uma vida inteira de 'blues' e desilus�es amorosas". Na �poca, Michael era uma crian�a de dez anos.

Imposs�vel n�o lembrar disso ao ouvir "Coexist", o novo �lbum (nem t�o novo assim, dir�o os indies mais aguerridos) da banda londrina xx. � tudo adulto e profundo demais para ser criado por gente t�o jovem.

Apesar de fazer rock, g�nero de origem estridente, o xx habita uma dimens�o de sil�ncios. Aqui e ali, materializam-se pontilhismos de guitarra, uma linha simples de baixo, teclados minimalistas, vocais que s�o quase sussurros. Mas � nos interst�cios, nos momentos em que nada parece acontecer, que a m�sica do xx ganha plenitude.

As faces vis�veis do grupo s�o os vocalistas Romy Madley Croft (menina, provavelmente de 23 anos) e Oliver Sim (menino, acredita-se que de 23 tamb�m). Acompanha-os um "whiz kid'' das programa��es e batidas, Jamie Smith, ou Jamie xx, mesma faixa et�ria.

Romy e Oliver, t�o mo�os, s�o respons�veis por versos de uma delicadeza rara. Como na faixa "Unchained", minha favorita: "N�s �ramos muito mais pr�ximos / N�s cheg�vamos muito mais perto / Voc� n�o sente saudades?".

"Angels", primeira can��o do �lbum, traz um achado digno de Orestes Barbosa, o poeta de "Ch�o de Estrelas": "Voc� anda pela sala / Como se respirar fosse f�cil" (em ingl�s soa t�o mais bonito: "You walk through the room / Like breathing was easy").

Em "Missing", outra faixa linda, os vocais s�o inicialmente conduzidos por Oliver. A voz de Romy aparece distante, sons que n�o chegam a formar palavras. Jamie xx dispara uma batida irregular, como um cora��o em fluxo ca�tico. A letra diz: "Meu cora��o est� batendo de um modo diferente / Fiquei tanto tempo longe / N�o me sinto mais o mesmo".

No meio de "Missing", uma parada brusca. Nada menos que quatro segundos de um sil�ncio aflitivo: 1, 2, 3, 4... A can��o finalmente recome�a, e os pap�is se invertem. Agora � Romy quem canta: "Voc� ainda acredita / Em mim e voc�?". A voz "de profundis" passa a ser a de Oliver Sim, um grito terminal, um estertor.

"Coexist" � o segundo �lbum do xx. O primeiro saiu em 2009. Ao contr�rio do que sempre acontece no rock e no pop, "Coexist" � mais simples e seco que seu antecessor. N�o tem orquestras (reais ou de sintetizador), nem produtor famoso. Dispensa os arranjos suntuosos. Rejeita o exibicionismo.

O grupo manteve um alto n�vel de controle sobre sua arte. Mesmo depois do sucesso do primeiro disco, dos festivais um em seguida do outro, das turn�s intermin�veis, e de uma crise interna que levou � expuls�o da segunda guitarrista, Baria Qureshi, em 2010. Em meio ao tumulto, shows foram cancelados por "exaust�o".

Em uma conta no Twitter, ainda ativa, Baria se diz apunhalada pelas costas, e relata ter sido demitida por mensagem de texto (twitter.com/bariaq). Um processo relativo a direitos autorais, Baria contra o xx, corre na Justi�a inglesa.

Em um quadro assim, imagina-se que n�o foram poucas as press�es em torno deste segundo disco do xx. A banda conseguiu super�-las. Seu universo � o do menos que significa mais, dos cora��es em chamas, da desesperan�a urbana, de sentimentos expostos com um m�nimo de sons e palavras.

Penso em outros �lbuns igualmente adultos, que se comparem em densidade a "Coexist". "Mezzanine", do Massive Attack (1998), e "Knowle West Boy", de Tricky (2008), s�o candidatos. Mas estes vieram de artistas maduros no auge da forma.

"Coexist", n�o: foi feito por meninos. Em "Our Song", eles dizem: "Tudo o que eu fiz / Voc� fez tamb�m". � verdade. Parceria perfeita.

álvaro pereira júnior

�lvaro Pereira J�nior � graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, com especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT. Trabalha no programa 'Fant�stico', na TV Globo. Escreve aos s�bados, a cada duas semanas.

 

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