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�lvaro pereira j�nior

 

15/09/2012 - 03h00

Opera��o Wikipedia

� a gl�ria. Depois de 11 anos buscando ser levada a s�rio, a Wikipedia, grande enciclop�dia colaborativa da internet, consegue finalmente fincar p� no mundo da alta cultura. Esta semana, teve sua relev�ncia admitida por ningu�m menos que o americano Philip Roth, para muitos o maior romancista vivo.

Foi um reconhecimento um pouco torto, � verdade, mas leg�timo mesmo assim. Roth reclamou em p�blico da enciclop�dia on-line. E ningu�m, muito menos um escritor do porte dele, perde tempo chiando contra algo desimportante. Falou mal, mas falou da Wikipedia.

Em uma longa carta aberta, no site da revista "New Yorker" (is.gd/UBRpON), Roth atacou o verbete sobre seu romance "A Marca Humana". Segundo a Wikipedia, o protagonista, o professor universit�rio Coleman Silk, foi inspirado em um cr�tico de literatura chamado

Anatole Broyard, figura manjada de Nova York.

Errado, bradou Roth. Coleman Silk �, na verdade, Melvin Tumin, um soci�logo que foi seu colega na Universidade Princeton.

Assim como Silk da fic��o, Tumin caiu em desgra�a por usar, em sala, uma palavra de duplo sentido que poderia ter conota��o racista. Referindo-se a dois alunos que nunca tinham aparecido na aula, Tumin perguntou se eles existiam mesmo, ou eram "spooks".

"Spook" quer dizer "assombra��o", mas tamb�m pode ser um modo grosseiro de se referir a negros. Tumin n�o sabia, porque nunca tinha visto os estudantes folgados, mas calhou de ambos serem negros. A casa caiu, e recuperar a reputa��o foi um pesadelo de anos.

Diante da certeza sobre quem inspirou seu personagem, Roth usou um intermedi�rio para pedir a corre��o. A resposta da Wikipedia foi engra�ada: "Admitimos que o pr�prio autor � quem conhece melhor sua obra, mas requeremos fontes secund�rias".

Da� a carta na "New Yorker", a repercuss�o etc.

Fico imaginando que tipo de pessoa incluiu a informa��o errada. Um esp�rito de porco que pretendia irritar Roth? Um desavisado que simplesmente copiou o dado incorreto de outro lugar? Ou um "supernerd" que juga conhecer a obra de Roth mais do que o pr�prio autor?

� chute puro, mas fico com a �ltima op��o. Porque n�o fazia ideia de quem colaborava com a Wikipedia, at� ler, em uma edi��o recente da revista "Piau�", a reportagem "Coopera��o Conturbada", de Bernardo Esteves.

O autor descreve um universo, digamos, peculiar. "� espantoso o tempo e o investimento emocional que centenas de usu�rios dedicam ao projeto'', afirma o texto.

Os "wikipedistas" brasileiros brigam, perseguem-se, recorrem a "tribunais" para decidir quem ganha a briga por determinado verbete. Enquadram-se na categoria de gente que o apresentador de TV Charlie Rose, numa entrevista com o fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, disse "aspirar a um papel maior".

Assim, vemos que a Wikipedia transformou-se em meio de express�o para obcecados em geral. Eu, voc�, todo mundo conhece algu�m que � uma enciclop�dia ambulante. Que sabe tudo sobre as declina��es da l�ngua ucraniana, ou sobre as regras da pelota basca, ou domina a base te�rica da resson�ncia magn�tica nuclear, ou recita de cor a lista de moluscos de �gua rasa em Okinawa (isso quando n�o entende de todos esses assuntos ao mesmo tempo).

Se antes esses geninhos guardavam o conhecimento s� para si, ou para um c�rculo mais pr�ximo de ouvidos pacientes, agora podem desfilar sua sabedoria para o mundo, na Wikipedia.

E a� entra uma cr�tica forte ao empreendimento de Jimmy Wales: n�o pagar nenhum centavo a seus dedicados colaboradores. Ele se defende lembrando que a Wikipedia n�o visa lucro e vive de doa��es. Diferente, por exemplo, do "Huffington Post", que n�o pagava ningu�m, mas deu muito dinheiro a sua criadora, Arianna Huffington.

A outra cr�tica, claro, � a falta de confiabilidade da Wikipedia, por permitir que qualquer um seja colaborador. Em entrevista ao jornal ingl�s "Guardian", Wales deu uma resposta afiada.

Lembrou que, durante muito tempo, a data do anivers�rio estava errada no verbete sobre ele pr�prio. E explicou: "Algu�m copiou a data que estava na 'Britannica', e a 'Britannica' estava errada".

Ou seja: n�o d� para confiar em informa��o de uma �nica fonte, ainda que seja a "Britannica". Ou que seja a poderosa Wikipedia, a enciclop�dia contra a qual Philip Roth, o grande, decidiu que valia a pena brigar.

álvaro pereira júnior

�lvaro Pereira J�nior � graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, com especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT. Trabalha no programa 'Fant�stico', na TV Globo. Escreve aos s�bados, a cada duas semanas.

 

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