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�lvaro pereira j�nior

 

18/08/2012 - 03h00

O pav�o Assange

Do jeito que ele gosta, Julian Assange ocupa o centro do notici�rio mundial. Quando escrevo, o australiano ainda est� na embaixada em Londres do Equador, pa�s que lhe concedeu asilo. Mas o governo brit�nico n�o deixa que ele saia. Quer despach�-lo para a Su�cia, onde Assange � r�u em dois casos de abuso sexual.

Assange foi um dos fundadores, em 2006, do site WikiLeaks, especializado em receber e divulgar informa��es confidenciais. Da cientologia aos defensores do aquecimento global, passando por governos e corpora��es, muita gente apanhou com a divulga��o de documentos secretos por essa tropa combativa. Assange montou um esquema de sonho para um eg�latra: no WikiLeaks, todo mundo � an�nimo, menos ele.

Os nomes dos informantes s�o segredos. Os principais colaboradores s�o conhecidos apenas pelas iniciais. Mas, ele, Assange, d� entrevistas, escreve artigos, assume com gosto o papel de messias da transpar�ncia total.

Transpar�ncia que ele pr�prio n�o pratica. O WikiLeaks funciona em meio a paranoia e segredos, � moda de uma seita. E Assange sempre escondeu sua hist�ria de vida. S� em 2010 o rep�rter Raffi Khatchadourian, da revista "New Yorker", descobriu algumas coisas: padrasto violento, m�e hippie contestadora e n�made (at� os 14 anos de idade, Assange mudou 37 vezes de casa).

O WikiLeaks fez estragos importantes e merecidos desde o come�o. Mas Assange s� assumiu o papel de celebridade mundial em 2010, quando procurou revistas e jornais respeitados de EUA e Europa para investigar toneladas de documentos secretos da diplomacia americana.

Foi uma grande sacada. Trouxe o WikiLeaks, at� ent�o uma opera��o de "fringe", para o dom�nio da m�dia respeit�vel. Usou a per�cia de jornais como "Guardian" e "New York Times" de mergulhar em documentos, detectar o que tem interesse jornal�stico e transformar isso em reportagens.

Mas, como disse Fernando Rodrigues na Folha de 15/8, tamb�m decretou o in�cio do fim do Wikileaks: "Os meios de comunica��o tradicionais aprenderam o caminho. V�rios j� usam sistemas on-line, recebem dados e preservam as fontes".

A organiza��o se esgotou, mas Assange obteve a fama.

Em abril passado, participei de uma feira de televis�o, em Cannes. O glamour e a visibilidade n�o se comparam, mas local e estrutura s�o os mesmos do famoso festival de cinema.

A fachada do Palais des Festivals estava coberta por um cartaz imenso, anunciando "The World Tomorrow", um "talk show" apresentado por Assange no Russia Today, RT, canal bancado pelo Kremlim para ser tipo uma Fox News "alternativa".

O programa ia ao ar do apartamento dele. Entrevistado do primeiro dia: Hassan Nasrallah, do grupo terrorista Hizbollah.

Seguiram-se outros do mesmo naipe, at� chegar a vez de Rafael Correa, presidente do Equador, pa�s que acabou lhe oferecendo asilo. O paladino da liberdade era acolhido por um perseguidor de jornalistas.

Inescap�vel, tamb�m, a ironia de o cofundador do WikiLeaks ganhar espa�o no RT, sustentado por Vladimir Putin, de not�rio hist�rico de "transpar�ncia".

Mais ir�nico ainda que, justo na semana em que se decide o destino de Assange, o mesmo governo Putin que lhe dedica tantas mesuras tenha voltado for�as contra tr�s meninas do coletivo anarcopunk Pussy Riot.

Em fevereiro, as "punkettes" do Pussy Riot invadiram a catedral do Cristo Salvador, em Moscou. Dan�ando e pulando, cantaram um rock tosco exigindo a sa�da de Putin.

As tr�s foram a julgamento, sob risco de cana brava por vandalismo. Escrevo antes do veredicto. E leio no site da "Economist" que, quarta passada, o trio teve direito a considera��es finais. Foi um discurso hist�rico de Maria Alyokhina, Yekaterina Samutsevich e Nadezhda Tolokonnikova (esta �ltima de uma beleza desconcertante, "riot girl" do Volga).

Assim descreveu a revista: "Elas falaram de arte, de liberdade, da busca por significados, tudo pontuado por refer�ncias aos Evangelhos, aos 'Ensaios' de Montaigne e � 'humildade ontol�gica'".

Nada disso faz parte da vis�o de Julian Assange.

Idi Amin acabou na Ar�bia Saudita, Anastasio Somoza se exilou no Paraguai, carrascos da Segunda Guerra vieram parar na Bol�via, na Argentina e no Brasil.

Se n�o for preso no caminho do aeroporto, Julian Assange, que parecia arauto de uma revolu��o jornal�stica, entra para o rol dos exilados em destinos ex�ticos. Uma esp�cie de p�ria, mas um p�ria famoso. Deve estar feliz.

álvaro pereira júnior

�lvaro Pereira J�nior � graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, com especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT. Trabalha no programa 'Fant�stico', na TV Globo. Escreve aos s�bados, a cada duas semanas.

 

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