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�lvaro pereira j�nior

 

21/07/2012 - 03h00

A morte de uma revista

Tenho nas m�os um cad�ver. Colorido, feito de papel brilhante. Ainda assim, um cad�ver.

� a edi��o de julho da revista inglesa "Word", especializada em m�sica, cinema e livros. A "Word" acabou. Durou nove anos.

Era, disparada, minha publica��o favorita, em qualquer l�ngua ou plataforma. Perdi a conta das coisas interessantes que descobri por ela e repassei aos leitores --neste mesmo espa�o e quando ainda escrevia no "Folhateen". O romance "One Day", de David Nicholls. As bandas Arcade Fire e XX. As s�ries de TV "The Killing" e "The Hour". As cantoras Joan as Police Woman e Keren Ann (enquanto escrevo, ou�o, desta �ltima, "All the Beautiful Girls", e acho que voc� deveria fazer o mesmo).

O cuidado no acabamento, a eleg�ncia do projeto gr�fico e a alta qualidade dos textos n�o deixavam transparecer --mas a "Word" era uma publica��o modesta, editada por uma equipe min�scula em um escrit�rio detonado no norte de Londres. � frente, duas feras do jornalismo musical, os coroas Mark Ellen e David Hepworth. Dupla que comandou, nos anos 1980, a "Smash Hits", revista que parecia s� pop, mas era cheia de ousadias e transgress�es.

A "Word" atendia t�o perfeitamente a meus interesses e expectativas, que, gra�as a ela, descobri, para al�m de qualquer d�vida, fazer parte de um nicho.

Passei pela primeira experi�ncia do tipo quando morei no Rio, no final dos anos 1990. Em terras cariocas, tive contato com dezenas de pessoas que ouviam MPB, discutiam cinema brasileiro, liam o "Jornal do Brasil". At� ent�o, eu n�o conhecia ningu�m com esses h�bitos que, na �poca, considerava t�o ex�ticos.

Uma situa��o marcou muito. Andava pela rua Vinicius de Moraes, em Ipanema, acompanhado de um amigo e uma de suas in�meras namoradas. Ao passarmos por uma loja especializada em bossa nova, a jovem n�o se conteve. Declarou toda sua emo��o por caminhar numa rua com o nome do Poetinha, pisar no mesmo ch�o que ele pisou, poder entrar numa loja cheia de livros e CDs do homem.

Por convic��o, tra�o geracional ou pura ignor�ncia, n�o sei direito, poucas coisas me interessavam menos do que a obra de Vinicius. N�o entendi aquela pessoa t�o novinha fascinada por um autor que, para mim, representava um Brasil do passado, contemplativo e largad�o.

Em um primeiro momento, fiquei apavorado. Suspeitei que os velhos Electra que faziam a ponte a�rea fossem, na verdade, m�quinas do tempo disfar�adas, e que, ao pousar no Santos Dumont, eu tivesse sido teletransportado diretamente aos anos 1970.

Com o tempo, vi que n�o era nada disso. Em minha nova cidade, t�o linda e onde fui t�o bem acolhido, o estranho era eu.

Entendi que o universo de onde eu vinha n�o era exatamente um universo --era um nicho. Por sinal, dos menores. O Rio me apresentou ao mundo real.

Muitos anos depois, ao conhecer a "Word", l� pelo n�mero 4 ou 5 (ela durou 114), lembrei muito dessa temporada carioca. Lendo a revista pela primeira vez, meu primeiro impulso foi dizer: "� a melhor do mundo!".

Mas a� eu j� tinha mais experi�ncia. Entendi que a "Word" era, de fato, a melhor revista do mundo... mas s� para mim e infelizes como eu. Ao morrer, tinha circula��o de 25 mil exemplares. N�mero que seria modesto at� no Brasil, que dir� no ainda gigantesco mercado editorial ingl�s.

Triste saber que, no mundo todo, t�o poucas pessoas se dispunham a pagar por uma publica��o que conseguia acompanhar muito de perto as novidades --mas sem cair na doen�a infantil da imprensa musical, especialmente brit�nica, de buscar o novo pelo novo.

E que sabia revisitar o passado sem nostalgia ou choramingos do tipo "bom mesmo era naquele tempo".

No exemplar que folheio agora, Ray Davies, dos Kinks, est� na capa. L� dentro, entrevistas com Bob Mould, Tracey Thorn e louca�o Lawrence, do Felt.

Desculpe, n�o vou explicar quem s�o. Por isso deixei para cit�-los s� agora, no final. N�o pretendia assustar voc� l� no come�o, queria que chegasse at� aqui. Nessa vida, a gente tem de ser safo. Mais uma que aprendi no Rio.

álvaro pereira júnior

�lvaro Pereira J�nior � graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, com especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT. Trabalha no programa 'Fant�stico', na TV Globo. Escreve aos s�bados, a cada duas semanas.

 

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