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�lvaro pereira j�nior

 

23/06/2012 - 03h00

Filme de Marcel Oph�ls serve de analogia � Comiss�o da Verdade

DE S�O PAULO

"Pude constatar mais uma vez a destrui��o do Pal�cio Monroe pelo Geisel, que parece agora que � 'Sacerdote' ou 'Feiticeiro'. Bobagem da turma. Chama tudo de 'A�ougueiro' e 'Carniceiro' e fa�amos as pazes com a realidade.'' (Ivan Lessa, "Eu Conhe�o Esse Cara", revista "Piau�", n� 1, outubro de 2006)

Faz sentido comparar os crimes perpetrados por um regime sanguin�rio com aqueles cometidos pelas for�as que resistiam a ele? Vale a pena reabrir feridas, falar de tortura, desaparecimentos e execu��es sum�rias, 40 anos depois? Que destino merecem traidores e delatores que, coagidos, se aliaram aos pr�prios carrascos?

No contexto brasileiro, em que uma rec�m-formada Comiss�o da Verdade vai apurar crimes da �poca da ditadura militar, essas discuss�es mostram-se brutalmente atuais. Mas n�o � do Brasil que trata o document�rio "Hotel Terminus'', Oscar de 1988 e tema da coluna de hoje. Ao menos n�o diretamente.

O filme, de Marcel Oph�ls, radiografa vida e �poca de Klaus Barbie, o "A�ougueiro de Lyon". Oficial de m�dio escal�o da Gestapo, Barbie (1913-1991) infligiu torturas inimagin�veis, como ferver gente viva em um tanque de amon�aco. Deportou dezenas de milhares de judeus franceses para campos de exterm�nio.

Depois da guerra, com ajuda do servi�o secreto americano, fugiu para a Bol�via, onde ocupou cargos importantes nas narcoditaduras dos anos 70/80. S� em 1983 foi apanhado, seguindo-se extradi��o e, finalmente, julgamento na Fran�a.

"Hotel Terminus", encontr�vel em DVD, tem quatro horas e meia. � um mergulho num passado abismal. N�o h� narra��o em "off". Em um esfor�o sobre-humano de edi��o, a narrativa � costurada apenas com entrevistas, que se sucedem �s dezenas. H� preju�zo ao didatismo, porque o texto de um narrador contextualizaria e acrescentaria informa��es. Mas ganha-se em ritmo, autenticidade e carga emocional.

As declara��es v�m de pessoas de todo tipo. Sobreviventes de campos de concentra��o, her�is da Resist�ncia, colaboracionistas, delatores, editores, cineastas, nazistas ativos e aposentados, colegas de farda de Barbie, vizinhos em v�rias �pocas da vida, promotores, gente da rua, espi�es americanos. Resulta um retrato detalhado, mas sem pretens�o � imparcialidade.

Oph�ls � personagem do pr�prio document�rio. Sua figura estranha, meio corcunda e sempre amarfanhada, aparece em quadro em muitos momentos. Perde a paci�ncia, �s vezes grita com entrevistados. Banca o amig�o e extrai as declara��es mais grotescas de um mercen�rio que agiu com Barbie na Bol�via. Em um vilarejo da Alemanha onde n�o consegue ser recebido por um nazista aposentado, faz gra�a e vai procur�-lo numa planta��o de repolhos.

Em uma edi��o especial, ano passado, sobre o futuro do jornalismo, a revista "Economist'' cravou que a transpar�ncia � a nova objetividade. Com a pulveriza��o, na internet, dos produtores de not�cias, n�o caberia mais esperar o tipo de objetividade sobre o qual erigiu-se a "imprensa de qualidade''. Nesses novos tempos, seria mais importante que o divulgador da not�cia deixasse claros seus interesses, seu vi�s.

Em "Hotel Terminus", Marcel Oph�ls adotou essa pr�tica "avant la lettre". Entende-se perfeitamente que ele:

1) Despreza os colaboradores franceses das for�as de ocupa��o (mesmo os de cargos burocr�ticos sem relev�ncia);

2) Atribui enorme import�ncia � quest�o das trai��es e dela��es na Resist�ncia;

3) Tem certeza de que o tempo n�o apagou a gravidade dos crimes de Barbie --e diz isso olhando para a c�mera, ao referir-se, com ironia, �s dezenas de entrevistados que alegavam j� fazer 40 anos da guerra, e que era melhor deixar para l� (as filmagens s�o de meados dos anos 80);

4) Acha que Barbie merecia uma pena dur�ssima.

Um dos "alunos" mais conhecidos do m�todo Marcel Oph�ls de dirigir � o fanfarr�o Michael Moore, de "Tiros em Columbine" e "Fahrenheit 11 Setembro".

Mas se Moore oferece apenas estreiteza mental e empulha��o, Oph�ls mostra um conhecimento profundo de seus temas. Mesmo com uma agenda claramente delineada, seu filme nunca � unidimensional.

O traidor t�o vilipendiado � redimido em parte. As cis�es entre as for�as da Resist�ncia s�o mostradas sem rodeios. O literato humanista confessa que, ao participar de tribunais que julgaram nazistas logo em seguida ao fim da Segunda Guerra, foi, por ignor�ncia, leniente demais.

Aqui no Brasil, coincid�ncia, faz tamb�m 40 anos do �pice de trucul�ncia da ditadura militar. Cabe � Comiss�o da Verdade encontrar nossos Klaus Barbies, ainda impunes, e decidir o que fazer com eles.

álvaro pereira júnior

�lvaro Pereira J�nior � graduado em qu�mica e jornalismo pela USP, com especializa��o em jornalismo cient�fico pelo MIT. Trabalha no programa 'Fant�stico', na TV Globo. Escreve aos s�bados, a cada duas semanas.

 

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