A região em torno da Central do Brasil é o Rio que não sai na foto. A desordem urbana no apogeu: abandono, tráfico de drogas, prostituição, pessoas em situação de rua, ambulantes, exploração de menores, furtos. Tudo se dá ao lado da estação de trem (cuja torre encerra o maior relógio de quatro faces do mundo), do Palácio Duque de Caxias, sede do poderoso Comando Militar do Leste, e das carcaças do teleférico do morro da Providência. Nesse ambiente a ex-deputada Flordelis fazia seu "evangelismo da madrugada".
No livro "O Plano Flordelis: Bíblia, Filhos e Sangue", Vera Araújo revela que o primeiro "filho" que Flordelis levou para casa foi retirado dali. O recém-nascido, segundo ela, estava no meio do lixo. Logo, em fevereiro de 1994, 37 crianças, entre as quais 14 bebês, apareceram em sua casa, todas fugindo das redondezas da Central —sempre de acordo com a versão da missionária.
Tinha início a fama midiática da "Mãe Flor", hoje acusada de mandar matar o marido. A menina do Jacarezinho, conhecida pelos testemunhos de fé, pela voz afinada, pelo dom de receber revelações divinas, e que acabou expulsa da favela por divergências com traficantes. Uma história que comoveu empresários e artistas e lhe abriu o caminho até a Câmara dos Deputados.
A eleição da cantora e pastora reforçou a presença em Brasília de evangélicos pentecostais, que a partir dos anos 80 trocaram o "Crente não se mete em política" por "Irmão vota em irmão". Em 2018, Flordelis obteve quase 200 mil votos (o incrível era que o número da sua chapa, 5595, se iniciava com o número de seus "55 filhos").
Eis por que a primeira-dama lidera cultos no Palácio do Planalto, o pastor Malafaia prepara uma oração para travar as urnas eletrônicas, Bolsonaro faz da sua reeleição uma guerra santa e Lula se esforça para limpar a barra entre os evangélicos. Misericórdia e compaixão não existem no jogo político.
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