Descrição de chapéu Defesa Civil

O que faz algumas pessoas serem voluntárias após tragédias como a do RS

Instinto de sobrevivência, ativado por neurotransmissores cerebrais, pode estar por trás desse tipo de decisão

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Patricia Bellas
São Paulo

Com o recuo da água em cidades gaúchas, voluntários têm se unido a moradores para limpar ruas e casas afetadas pela inundação. Também há aqueles que ainda atuam em centros de logística da Defesa Civil, separando itens doados. Mas por que algumas pessoas decidem se voluntariar e outras não? Uma possibilidade é o instinto de sobrevivência, ativado pelos neurotransmissores cerebrais, como a adrenalina e a dopamina.

"Para se pôr em risco no intuito de ajudar outras pessoas, é preciso ter uma personalidade que atue na busca por adrenalina", afirma a psiquiatra Silza Tramontina. Ela integra o Grupo de Trabalho para Enfrentamento à Crise Proveniente das Enchentes e da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS).

A decisão de se voluntariar, segundo ela, está ligada à impulsividade. Esta última, por sua vez, seria motivada pela comoção do momento que cria uma "identificação com as próprias dores e pode ser intensificada pelo senso de responsabilidade profissional".

Grupo de voluntário ajudou em limpeza de travessia no bairro Cidade Baixa após inundação em Porto Alegre - Bruno Santos - 18.mai.24/Folhapress

Os neurotransmissores são substâncias químicas liberadas pelo sistema nervoso, responsáveis por passar as informações entre neurônios e provocar uma ação cerebral excitatória, inibitória ou moduladora.

Em uma situação de estresse, o disparo de adrenalina é um dos responsáveis por agir frente ao impacto de uma notícia. No entanto, compromete o bom funcionamento da área do córtex frontal do cérebro, responsável por ponderar as decisões.

Especialistas explicam que a ativação de adrenalina e de noradrenalina são importantes para que o cérebro entre em estado de vigília e seja capaz de tomar decisões imediatas e de obter respostas em situações ameaçadoras.

Todos os sentidos ficam aflorados. O excesso, porém, pode elevar o batimento cardíaco e provocar sintomas que são prejudiciais à execução das funções. É o momento de fazer uma pausa nas atividades, mas a dopamina dificulta essa percepção.

"A dopamina motiva e traz uma sensação de recompensa por se sentir útil", afirma o psiquiatra Arthur Guerra, do Hospital das Clínicas e do Sírio-Libanês.

"A pessoa fica tão anestesiada que não percebe que está esgotando as suas reservas físicas e mentais, entrando em exaustão", acrescenta ele. "A dopamina tem a carga de gerar bem-estar e comportamento compulsivo ao mesmo tempo."

Temor de que voluntários desenvolvam transtornos

"Temos visto muitos se sentindo culpados achando que não estão ajudando o suficiente", diz Tramontina. "Teremos uma maior quantidade de pessoas precisando de suporte, com estresse pós-trauma, transtorno de ansiedade e depressão."

Estudos comprovam a necessidade de apoio psicológico pós-desastres. Uma pesquisa publicada no Nepal Journal of Epidemiologic, em 2022, avaliou o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), depressão, ansiedade e sintomas de intrusão entre adultos afetados pelas enchentes em Querala, na Índia, e concluiu que 92% das mulheres e 87% dos homens ainda apresentavam sintomas psiquiátricos subclínicos um ano após as enchentes, sendo mais grave em mulheres.

Outro artigo, publicado anteriormente, no International Journal of Social Psychiatry avaliou que grupos expostos a inundações em diferentes países apresentaram maior risco de transtornos, abuso de álcool e outras substâncias, mas, durante as cheias de 2015 em Tamil Nadu, na Índia, as pessoas que se voluntariaram relataram mais sentimento de pertencimento e menos problemas psiquiátricos.

"Ser voluntário é fantástico, mas é preciso treinamento", diz a psicóloga Sarah Carneiro, coordenadora do Núcleo de Resposta e Reconstrução em Emergências e Desastres da Unesco. "É importante lembrar que, se toda a energia for depositada na primeira semana, terá que se retirar do local antes do previsto, deixando a população desassistida. Então, cuidar de si significa cuidar dos outros por mais tempo."

Só em Porto Alegre, a Defesa Civil chegou a contar com cerca de 1.800 a 2.000 mil voluntários no centro logístico —entre suas funções estavam fazer a triagem de itens de ajuda humanitária e efetuar carga e descarga. Hoje, de acordo com a instituição, pouquíssimos ainda permanecem —interessados em ajudar podem se cadastrar no site Transforma Brasil.

Até a última terça (18), conforme boletim da Defesa Civil, houve 177 mortes em decorrência das chuvas no estado. Outras 37 pessoas estavam desaparecidas. Quase todos os municípios gaúchos —478 de 497— foram afetados pela chuva, atingindo 2,4 milhões de pessoas, um quinto da população do estado.

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