Após dez dias de um apagão, o governo Jair Bolsonaro restabeleceu na noite desta terça-feira (3) o acesso parcial à plataforma Lattes. Já está disponível a consulta aos currículos dos pesquisadores, mas o funcionamento do sistema ainda não voltou ao normal.
Não é possível, neste momento, fazer atualizações dos currículos, mas está disponível a opção de impressão e download, informou o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), responsável pelo sistema.
"O trabalho de restauração dos acessos ainda está em andamento, incluindo novas atualizações da base de dados, que serão feitas nos próximos dias, incluindo, nos currículos, as fotos e o número de citações", diz nota do órgão.
Uma falha na área de tecnologia deixou o Lattes e a plataforma Carlos Chagas, também do CNPq, fora do ar desde o dia 23 do mês passado. O CNPq havia prometido restabelecer tudo na segunda-feira (2), mas houve atrasos.
A base de dados do Lattes conta com atualizações feitas até as 18h do dia 23 de julho, segundo o órgão. Já a plataforma Carlos Chagas ainda não foi restabelecida.
De acordo com o CNPq, os acessos devem ocorrer por meio do acesso direto ao currículo a partir do ID Lattes (escrevendo, no campo de endereço do navegador "lattes.cnpq.br/[número do ID]") e por meio de busca textual pelo endereço: buscatextual.cnpq.br/buscatextual.
O endereço lattes.cnpq.br ainda não está disponível. A reportagem conseguiu acessar alguns currículos da plataforma pela busca textual.
O apagão dos sistemas, segundo informação oficial, foi provocado pela queima de um dispositivo num equipamento que tem a função de controlar os servidores onde as plataformas ficam hospedadas. Isso teria ocorrido durante a migração dos dados para um novo servidor.
Em email obtido pela reportagem, um funcionário do CNPq relatou, no último dia 26, que o principal servidor do conselho fora atingido e que o equipamento estaria fora da garantia e sem contrato de manutenção. Isso impediria um reparo imediato e traria a necessidade de contratação de empresa externa, como de fato ocorreu.
Questionado pela Folha, o CNPq e o Ministério da Ciência não responderam sobre a operação estar sem garantia e manutenção.
Lattes é um banco de dados com todos os currículos de pesquisadores, e ações como a aprovação de bolsas dependem da consulta à plataforma. Já pela Carlos Chagas é que se operacionalizam chamadas públicas e editais de fomento à pesquisa, gestão e pagamento de bolsas.
Os prazos para ações como a submissão de propostas, prestação de contas e de vigência das bolsas foram suspensos e prorrogados. O CNPq prometeu divulgar novas datas assim que os sistemas forem restabelecidos, mas isso não aconteceu até agora.
Além disso, ainda não há previsão para o restabelecimento da plataforma Carlos Chagas.
Com a queda dos sistemas, pesquisadores temiam a perda de informações. O CNPq garantiu que havia backup dos dados e, segundo três pesquisadores consultados pela reportagem nesta noite, as principais informações teriam sido preservadas.
Mas a indisponibilidade das plataformas causaram transtornos. A pesquisadora em física Marcia Barbosa, professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), diz que o apagão atrasou, por exemplo, o preenchimento do sistema Sucupira, de avaliação da pós-graduação e gerido por outro órgão federal, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior).
Barbosa diz que o apagão também afetou outros processos, como escolha de ingressos para a pós-graduação. Pedidos de progressão de carreira de docentes também podem ter ficado comprometidos nas universidades.
Mas, para ela, o mais grave é a insegurança com relação à manutenção de todas informações abrigadas pelo CNPq, sobretudo na plataforma Carlos Chagas.
"Quando um servidor cai, a gente vê o que consegue enxergar, mas, atrás do que é de acesso público, tem muitas informações, de pedidos de concessão de bolsas, o histórico, os dados de prestações de contas. Não temos ideia se tudo está lá", diz.
Funcionários do próprio CNPq apontam a falha como reflexo da queda de orçamento pela qual vive o CNPq. Isso foi rechaçado pelo presidente do órgão, Evaldo Vilela.
Marcia Barbosa diz que o CNPq precisa ter segurança dos dados e uma infraestrutura que possa responder rapidamente a falhas. Para ela, é necessário recursos para garantir essa segurança.
"Tinha que ter backup e troca imediata, não podia levar esse tempo. Se eles têm o backup, significa que não têm as máquinas para rodar. E isso é economicidade", diz. A professora é umas principais pesquisadoras brasileiras da área de física e já foi apontada pela ONU Mulheres, em 2020, como uma das sete cientistas que moldam o mundo.
O órgão tem em 2021 o menor orçamento ao menos desde 2012, mesmo em valores nominais. A dotação atualizada do órgão para o ano é de R$ 1,2 bilhão –entre 2013 e 2015, por exemplo, o orçamento executado superou os R$ 2 bilhões.
Questionado pela Folha, o CNPQ também não respondeu aos questionamentos sobre quais empresas foram contratadas para trabalhar no restauro e quanto custou os procedimentos.
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